O território não beneficia, em geral, dos favores da atenção da economia política e das ciências sociais. Salvo no caso das análises disciplinares mais específicas, ele aparece, se tanto, sob a forma de categoria descritiva. Mesmo quando se procura compreender a formação de determinadas arquiteturas institucionais e as suas consequências na organização coletiva, o território é, em geral, uma variável ausente.
A ideia de que esta é uma questão essencial de uma boa organização coletiva sempre teve defensores obstinados. E estes sabem, ao contrário dos que têm respostas apressadas, que uma visão territorial é, por natureza, multiescalar: é local, é regional, é urbana e é rural, é nacional e até pode ser transfronteiriça e, portanto, internacional. Não cai em simplismos como a redução da coesão territorial a uma vaga noção de relação paternalista com o “interior”, como tem acontecido entre nós. Ou a ideia de que a territórios frágeis se dão condições de caráter geral, pois não vale a pena insistir neles, visto que têm pouco para devolver.
Nas duas décadas deste século, Portugal teve a maior convulsão territorial da nossa contemporaneidade: ela consistiu numa alteração profunda das relações entre as regiões, cujas evoluções se tornaram assimétricas e contrastantes como nunca foram. Isso resultou de algo muito preciso: uma forma de crescimento unipolar, centrado na Área Metropolitana de Lisboa (AML), com perdas de todos os outros espaços, sejam eles urbanos, rurais, litorais ou interiores. A consequência mais significativa de tudo isto foi o que se passou com as cidades médias, que generalizadamente regrediram em termos demográficos, deixando-nos sem um sistema urbano nacional capaz.
Com estas tendências, a possibilidade do surgimento de crises territoriais relevantes era bastante plausível, mesmo que continuássemos sob tão pesada “normalidade”.
A atenção às cidades médias, aos pequenos meios, às regiões, aos diferentes territórios é essencial para reequilibrar o país. Só ganharemos essa capacidade se em cada espaço cuidarmos das respetivas economias – indústria, agricultura, serviços públicos, habitação, formas diversas de assegurar localmente bem-estar. Se tivermos uma ideia para cada um deles, à escala apropriada – isto é, se pensarmos em termos de desenvolvimento e não em termos assistencialistas.
O território é uma condição de coerência do modelo de desenvolvimento com a sociedade que o sustenta. Estamos agora no tempo de todos compreendermos que o desafio é recolocar a economia em relação com a comunidade que deve servir. E com a finalidade da vida. Desglobalizar, quebrar dependências, centrar a economia do país naquilo que nos salva, como a saúde, a ciência, os abastecimentos (com as infraestruturas que os possibilitam e as redes que os garantem): “retornar à produção nacional e à nossa reindustrialização”. Ora, não há recentramento no país se não houver vitalidade territorial e articulação regional.
Como citar: Reis, José (2020), "Território: reorganizar internamente o país depois do modelo unipolar e do deslaçamento", Palavras para lá da pandemia: cem lados de uma crise. Consultado a 24.11.2024, em https://ces.uc.pt/publicacoes/palavras-pandemia/?lang=1&id=30493. ISBN: 978-989-8847-24-9