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Green New Deal
Ricardo Coelho

A “crise COVID-19” expôs as fragilidades de uma economia que mantém uma relação destrutiva com o meio ambiente. A combinação entre a destruição da vida selvagem, que abre o caminho à exposição a novos vírus, e a banalização do transporte aéreo, que permite a rápida transmissão de doenças entre países, está na origem de uma nova pandemia zoonótica que abalou os sistemas de saúde. Atravessamos agora, portanto, uma recessão sem precedentes causada por interações sociedade-ambiente-economia conflituosas e até destrutivas.

A resposta à crise não pode passar por um simples retorno a um statu quo insustentável, marcado pela crise climática e ecológica, profundas desigualdades sociais, discriminações sistemáticas, uma ordem económica mundial marcada pela privatização e financeirização dos bens comuns e pelo comércio internacional desigual. Um programa de recuperação da economia deve, por isso, ser baseado em princípios de justiça e sustentabilidade ambiental, privilegiando o investimento público e a regulação que promove a redução da degradação ambiental e das desigualdades sociais e que cria emprego.

O conceito de Green New Deal surge primeiramente aquando da crise financeira de 2007, altura em que organizações internacionais e da sociedade civil apresentaram propostas para uma recuperação da economia que promovesse investimentos “verdes”. Nos últimos anos, a ideia foi recuperada, tendo sido mesmo apresentado um projeto de resolução no Congresso dos Estados Unidos da América, enquanto a União Europeia aprovou um Green Deal.

Apesar de estarmos perante propostas com níveis de ambição e âmbitos geográficos e políticos distintos, é possível – a partir de uma análise crítica – delinear um Green New Deal para Portugal e a Europa. Enquanto programa de investimento público e regulação direcionado para uma mudança de trajetória, o Green New Deal deve criar emprego remunerado dignamente e garantir proteção no emprego para os trabalhadores afetados pela necessária reestruturação industrial, beneficiando diretamente as pessoas mais vulneráveis socialmente. Tendo como princípio de base a justiça ambiental, terá de assegurar a coesão territorial e a não discriminação na distribuição dos seus benefícios. Indo mais longe, deverá mesmo garantir que os maiores beneficiários das medidas de investimento ambiental serão os mais prejudicados pela degradação ambiental.

Mudanças profundas deste tipo não serão possíveis sem uma planificação racional da economia. Um Green New Deal deve ser, portanto, um primeiro passo no sentido da reorganização da atividade económica, envolvendo a renacionalização de setores estratégicos, a rerregulação da indústria e uma reforma do sistema financeiro, com o objetivo final de construir uma economia do cuidado, respeitadora das pessoas e da natureza e orientada para a satisfação de direitos básicos, no lugar da busca do lucro.



Como citar:
Coelho, Ricardo (2020), "Green New Deal", Palavras para lá da pandemia: cem lados de uma crise. Consultado a 24.11.2024, em https://ces.uc.pt/publicacoes/palavras-pandemia/?lang=1&id=30415. ISBN: 978-989-8847-24-9