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Governação internacional e multilateralismo
Maria Raquel Freire, Paula Duarte Lopes

A governação internacional sempre foi um desafio tradicionalmente marcado por relações binárias de cooperação/competição, que em diferentes momentos regressa a uma postura mais unilateral e, muitas vezes, até protecionista. Especialmente desde 1945, o multilateralismo tentou afirmar-se como uma via para uma maior coordenação e coerência entre diferentes atores, de modo a dar forma a um sistema de governação internacional. No entanto, mais recentemente, temos assistido a uma fragmentação deste processo, com um retroceder desta multilateralização em alguns temas específicos, como o combate às alterações climáticas. Estas dinâmicas são extremamente problemáticas, pois, por um lado, muitos dos temas na agenda são impossíveis de ser devidamente geridos sem que todos participem e, por outro, os quadros referenciais de análise continuam a procurar identificar polos de poder, minando a sustentabilidade de um sistema multilateral de governação internacional.

Um modelo de governação internacional eficaz e resiliente tem de ser capaz de tomar decisões de forma atempada, com graus de incerteza cada vez mais elevados, e de rever essas decisões rapidamente se necessário, como a atual pandemia de COVID-19 bem demonstra. A variedade de atores que compõe o sistema internacional – como os Estados, as organizações internacionais, as organizações não governamentais, as redes de criminalidade organizada ou as empresas multinacionais – estende os desafios da governação internacional muito além das tradicionais conceções territorializadas dos Estados soberanos. Assim, esta multilateralidade não pode apenas envolver vários Estados, tem de incluir também, a todos os níveis, os restantes atores relevantes independentemente da sua natureza, oferendo oportunidades criativas de governabilidade internacional de acordo com especificidades temáticas. Mais, esta multilateralização não pode apenas centrar-se na tomada de decisão, mas deve também promover a multilateralização dos benefícios globais, para além dos atores diretamente envolvidos. Este modelo de governação tem de se assumir como uma montagem de diferentes atores, em rede, que se vai alterando consoante o tema, que se vai ajustando em termos de participantes e de instrumentos, coconstituindo-se e reinventando-se consoante a situação e o seu nível de complexidade. É essencial que os mecanismos de conciliação de posições entre os diferentes atores tenham maior capacidade de resposta. O caráter benigno ou mais competitivo deste modelo, variável em contexto, deve, no entanto, manter-se sob escrutínio. A unilateralidade tornou-se obsoleta, como ficou demonstrado pela pandemia. Agora, é essencial a coconstrução de uma multilateralidade dinâmica e resiliente, caracterizada por um equilíbrio entre a territorialidade das causas e efeitos e a desterritorialização da governação multilateral.



Como citar:
Freire, Maria Raquel; Lopes, Paula Duarte (2020), "Governação internacional e multilateralismo", Palavras para lá da pandemia: cem lados de uma crise. Consultado a 28.03.2024, em https://ces.uc.pt/publicacoes/palavras-pandemia/?lang=1&id=30469. ISBN: 978-989-8847-24-9