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Instituições Particulares de Solidariedade Social
Vasco Almeida

A declaração do estado de emergência resultante da pandemia de COVID-19, ao implicar a suspensão do funcionamento de algumas respostas sociais – como, por exemplo, creches, infantários e centros de atividades de tempos livres –, veio agravar a situação financeira de uma parte significativa das Instituições Particulares de Solidariedade Social (IPSS). Embora estas tivessem optado por diferentes soluções, desde a suspensão completa das comparticipações dos utentes até à sua maior ou menor redução, registou-se uma quebra generalizada das suas receitas. Segundo um estudo de 2018, as comparticipações dos utentes representam cerca de 32% do rendimento total das IPSS, enquanto as comparticipações públicas correspondem a 46% daquele valor. Estas duas fontes de financiamento, a que se junta a filantropia, não impedem que cerca de 40% das IPSS, num ano normal, apresentem resultados negativos.

As medidas de apoio público para fazer face à situação das IPSS em contexto da pandemia – designadamente, o reforço de 59 milhões das verbas para os acordos de cooperação, a manutenção das comparticipações da Segurança Social e a criação de uma linha específica de financiamento – foram consideradas pelos representantes do setor manifestamente insuficientes para atenuar a quebra das receitas e o aumento de custos. De facto, o reforço de 59 milhões representa um aumento de 3,5% relativamente às verbas dos acordos de cooperação, enquanto o acréscimo dos custos do trabalho em 2020, em virtude da atualização do salário mínimo, atinge os 5,8%.

O modelo de cooperação entre o Estado e as IPSS deve ser repensado. Em primeiro lugar, o financiamento público deve ser suficiente para assegurar o funcionamento adequado das respostas sociais, atendendo à qualidade dos bens e serviços prestados, à adequação dos espaços físicos e aos recursos humanos necessários. O financiamento deve ser calculado através dos custos reais médios das respostas sociais e das tabelas previstas legalmente para as comparticipações dos utentes. Poderão existir mecanismos de diferenciação positiva entre IPSS, adequados à capacidade económica dos utentes. Em segundo lugar, “a passagem de um Estado tutelar para um Estado parceiro”, tal como é mencionado em diplomas legislativos recentes que regulam o setor, não pode implicar que o Estado se demita das suas funções de supervisão e de provisão direta. Embora o Estatuto das IPSS lhes consagre o princípio da autonomia, a qualidade dos serviços prestados tem que ser assegurada. Por último, mas não menos importante, as fronteiras de atuação entre Estado e IPSS devem ser claramente definidas. Contrariando a tendência verificada em anos recentes, os direitos universais devem ser assegurados pelo Estado, cabendo às IPSS uma função complementar na proteção de grupos sociais vulneráveis. Não faz sentido delegar nas IPSS a atribuição do Rendimento Social de Inserção ou dos designados subsídios eventuais, apesar do impacto financeiro positivo que essas medidas possam trazer.



Como citar:
Almeida, Vasco (2020), "Instituições Particulares de Solidariedade Social", Palavras para lá da pandemia: cem lados de uma crise. Consultado a 27.04.2024, em https://ces.uc.pt/publicacoes/palavras-pandemia/?lang=1&id=30283. ISBN: 978-989-8847-24-9