Desde o dealbar do higienismo, há dois séculos atrás, as cidades começaram a ser culpabilizadas pelas catástrofes sanitárias que atormentavam as suas populações. Entre outras razões, o agravamento dessas responsabilizações conduziu às utopias antiurbanas do século passado. Com o desenvolvimento da metrópole, que advém da afluência da força de trabalho às grandes capitais e aos centros industriais do século XIX, essas utopias foram granjeando um élan acrescido. A cidade, por seu lado, existe pelo menos desde o Neolítico. Até à Revolução Industrial, tinha antinomias territoriais claras: o campo e o espaço natural não humanizado. A cidade polarizava sempre esse território envolvente. A metrópole resulta do crescimento desmesurado de uma determinada cidade, uma cidade que cresceu sobre as outras que lhe eram próximas, absorvendo-as. Cresceu tanto que gerou uma outra entidade, o subúrbio. Este divide-se por sua vez em duas ordens de espaços: os que ambicionam ser cidade — os subúrbios pobres; e os que ambicionam ser espaço natural — os subúrbios ricos. O seu alastramento exacerbado, sobretudo depois da Segunda Guerra Mundial, gerou um território culturalmente pobre, indiferenciável e muitas vezes inominável. É disso exemplo o que se passa em Portugal, quando as elites metropolitanas falam de interior para se referirem a tudo o que não é da sua própria proximidade, ignorando a diversidade territorial do país.
A discussão sobre o futuro urbano é muito importante. De que forma podemos então preparar os espaços humanamente mais densos para esse futuro? De muitas formas, embora, dada a circunstância, umas mais emergentes que outras, sem dúvida. Podemos tentar centrar-nos sobre uma delas: as potencialidades genericamente chamadas cidades médias. Desde logo, muita coisa há a fazer para melhorar a sua atratividade. Qualificar estas densidades, do ponto de vista do conforto e da sustentabilidade é viável, é mais viável que na metrópole.
A qualificação competitiva das nossas cidades de média dimensão pode e deve constituir-se como uma alternativa à exclusividade da capitalidade metropolitana. Para tal é necessário identificá-las, quer pelo seu caráter intrínseco, quer pelo modo como historicamente polarizavam os seus territórios. É necessário dotá-las de intervenções públicas e privadas qualificadoras dos seus espaços e potenciadoras da manutenção da sua identidade patrimonial. É necessário inverter o seu processo de decadência económica, cultural e, acima de tudo, política. Atualmente, a decadência da cidade não se justifica só com o poder de absorção da metrópole, é uma decadência de índole económica sim, mas é sobretudo uma decadência do seu significado político, da sua representatividade política.
Para que possa assumir um significado consentâneo com o seu valor social, cultural e económico, o território nacional tem que ser polarizado pela ideia de pertença a uma célula territorial mais próxima e mais significativa que a da capital, por um lado, e mais forte e polarizadora que a do concelho, por outro. A ressignificação cultural do território passa pela pertença ao espaço capitalizado (aqui em ambos os sentidos) pela cidade A, ou B, ou C. E o alargamento dessa polarização conduz à identificação de uma rede urbana mais densa que a das metrópoles, a qual, por sua vez, se deveria instituir através de um desígnio nacional – uma política de cidades.
Como citar: Bandeirinha, José António (2020), "Metrópoles e redes de cidades", Palavras para lá da pandemia: cem lados de uma crise. Consultado a 03.12.2024, em https://ces.uc.pt/publicacoes/palavras-pandemia/?lang=1&id=30409. ISBN: 978-989-8847-24-9