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Mercado social de emprego
Nuno Serra

A pandemia de COVID-19 veio expor as fragilidades que resultam de uma aposta excessiva no setor do turismo, assumido nos últimos anos como um dos principais “motores” de desenvolvimento do país. Um peso excessivo que, mesmo antes da crise pandémica, colocava já importantes questões ao nível do emprego (nomeadamente a precariedade e baixos salários), da habitação (com o aumento vertiginoso dos preços, processos de gentrificação e expulsão de residentes para as periferias das grandes cidades, com destaque para Lisboa e Porto) e em diversas atividades dissociadas da dinâmica do turismo (que passaram igualmente a ter dificuldades para se localizar em espaços urbanos de maiores dimensões).

Ora, mesmo as perspetivas mais otimistas de recuperação generalizada da atividade económica, uma vez passado o surto pandémico, deparam-se com a circunstância de não ser expectável que o turismo (viagens, alojamento e restauração) possa recuperar ao mesmo ritmo que os restantes setores. Aliás, é bastante improvável que se regresse – pelo menos nos anos mais próximos – aos níveis de procura turística, sobretudo estrangeira, registados antes da crise. O que limita, evidentemente, a capacidade de reabsorção de muito do emprego agora perdido.

A aposta recente no turismo, apesar de todos os efeitos desestabilizadores que se registaram em diversos domínios, constituiu um dos principais fatores da recuperação do emprego nos últimos anos, que inverteu os resultados, neste âmbito, das políticas de austeridade seguidas entre 2011 e 2015. De facto, o setor gerou oportunidades de trabalho para um número significativo de inativos e desempregados (nomeadamente desempregados de longa duração), cujo perfil, em termos etários e de qualificações, tornava difícil o seu reingresso no mercado de emprego.

Hoje, face ao impacto da pandemia no setor do turismo, que se prevê possa ser prolongado (ou pelo menos bastante mais prolongado que noutros setores), a absorção deste contingente de mão de obra poderia, pelo menos em parte, ser conseguida com o investimento público num conjunto de serviços em que Portugal tem um défice estrutural profundo: as respostas ao envelhecimento demográfico e à crescente procura de cuidados, numa lógica de proximidade e de diversificação de modalidades de apoio (unidades residenciais e de saúde, apoio domiciliário, intervenção comunitária, etc.).

Trata-se, de facto, de um conjunto de áreas que requerem contingentes muito significativos de mão de obra, com grande diversidade de perfis e exigências muito variadas em termos de qualificações. Razão pela qual, aliás, a aposta nestes domínios em termos de emprego se traduz não só num contributo importante para minorar o défice de serviços atualmente existente, mas também numa oportunidade de formação e capacitação de ativos com baixas qualificações.



Como citar:
Serra, Nuno (2020), "Mercado social de emprego", Palavras para lá da pandemia: cem lados de uma crise. Consultado a 26.04.2024, em https://ces.uc.pt/publicacoes/palavras-pandemia/?lang=1&id=30413. ISBN: 978-989-8847-24-9