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Socialismo
João Rodrigues

Nas últimas três décadas, houve uma erosão dos freios e contrapesos socialistas ao capitalismo, quer no sistema de relações internacionais, quer nos sistemas nacionais de relações sociais. Os capitalistas têm ganho todas as lutas de classes. O preço destas vitórias é alto: capitalismos economicamente financeirizados, socialmente oligárquicos, ambientalmente insustentáveis e politicamente esvaziadores da democracia.

A crise pandémica, no entanto, tornou clara a realidade de que a sociedade é mais do que um somatório de indivíduos imersos em mercados. E, ao fazê-lo, mostrou a importância das lutas defensivas pela sobrevivência institucional, ainda que demasiado circunscrita, de um princípio socialista: de cada um segundo as suas possibilidades, a cada um segundo as suas necessidades. Afinal de contas, também a saúde de cada um é condição para a saúde de todos. Os Estados menos desiguais, com maior confiança social, com serviços nacionais de saúde mais robustos, responderam melhor à pandemia de COVID-19.

É então necessário assegurar a vitalidade e a expansão do socialismo, ao nível dos sistemas de provisão, onde tudo se decide, incluindo nos meios que lhe subjazem, nos quais avulta a planificação democrática da trajetória económica, hoje decisiva para enfrentar o maior fracasso da história do capitalismo: as alterações climáticas.

O socialismo é o nome do processo de democratização das economias, que permite a sua subordinação às prioridades dos Estados – comunidades políticas que devem ter condições materiais para garantir a todos os seus membros uma efetiva igualdade no desenvolvimento das suas capacidades, incluindo as de participação na definição dos amplos assuntos que a todos dizem respeito. O socialismo baseia-se numa hipótese simultaneamente realista e esperançosa: a de que as pessoas fazem o melhor de que são capazes nas circunstâncias que são as suas, sendo necessário desenvolver as capacidades de forma igualitária e humanizar as circunstâncias.

Passível de múltiplas declinações institucionais, esta hipótese geral pressupõe, no mínimo, o controlo soberano dos elementos centrais de uma economia, incluindo da moeda, relação decisiva para que uma economia monetária de produção seja capaz de garantir pleno emprego. Sendo necessária, a propriedade pública dos setores estratégicos não basta. É preciso estimular o controlo, por parte dos trabalhadores, das empresas, bem como manter alguns mecanismos de mercado, criando incentivos e assinalando preferências, sem que tal signifique desigualdades ou compulsões.

A socialização dos bens e serviços indispensáveis, bem como o pleno emprego, num quadro de gestão da procura que não dispensaria, nem controle de capitais, nem uma nacional negociação coletiva da política de rendimentos compatível com o equilíbrio externo, garantiriam uma real liberdade para todos e a confiança para prosseguir a experimentação social.

Se isto pressupõe economias menos globalizadas, é preciso insistir nos fins, ou seja, garantir a realização da promessa revolucionária para lá do capitalismo: liberdade, igualdade e fraternidade.



Como citar:
Rodrigues, João (2020), "Socialismo", Palavras para lá da pandemia: cem lados de uma crise. Consultado a 24.11.2024, em https://ces.uc.pt/publicacoes/palavras-pandemia/?lang=1&id=30390. ISBN: 978-989-8847-24-9