A redução drástica da interação social gerada pela atual pandemia de COVID-19 reforçou o papel crucial da comunicação social na interpretação e produção de realidades, palco de disputa de narrativas de teor sanitário, punitivo e securitário, entre outras. Alguns media destacaram-se na facilitação de acesso a informação sobre a pandemia e na comunicação de riscos em saúde, sublinhando alguns dos grupos sociais mais vulneráveis à exposição ao vírus, quer pelo seu perfil de saúde, quer pela sua ocupação profissional, quer pela fragilidade socioeconómica a que já estavam sujeitos antes da pandemia. Todavia, alguns participaram – ainda que de forma bem-intencionada – na (re)produção da narrativa de que “estamos todos no mesmo barco”, negligenciando as diferenças socioeconómicas, raciais, etárias, de género e de estado de saúde, etc., preexistentes e agravadas neste cenário. Além disso, veicularam representações que situavam a origem e a disseminação do vírus em pessoas estrangeiras ou consideradas como tal: turistas, imigrantes, refugiadas, negras e ciganas.
Através dos media e sobretudo nas redes sociais, veiculou-se um retrato dos chineses como sendo os responsáveis pelo surgimento do vírus, e dos países do sul da Europa, em particular Itália e Espanha, como sendo os disseminadores do mesmo à escala global. A sugestão de que os africanos seriam mais resistentes à COVID-19 a par com a representação de imigrantes, refugiados e pessoas ciganas como focos particulares de contaminação têm vindo a normalizar narrativas mediáticas e políticas de teor racista e xenófobo, apoiando a ativação de medidas securitárias e punitivas em relação a certos grupos.
Em alternativa, devem ser promovidos discursos e práticas de solidariedade, que contemplem:
- Desenvolver e efetivar códigos de conduta dos media no que diz respeito à representação de grupos marginalizados e vulnerabilizados;
- Visibilizar grupos especialmente vulneráveis à pandemia, que no caso das pessoas racializadas e em situação de pobreza são as mais expostas à crise económica e à negação de direitos, e ter o cuidado de deixar claro o seu ponto de vista. Ter em especial consideração as pessoas que se encontram em posição ainda mais vulnerável ou expostas por causa do género, identidade, sexualidade, tipo de trabalho, etc.
- Apoiar iniciativas de luta por direitos e de resposta à pandemia (satisfação de necessidades básicas, apoio ao acesso a informação sobre direitos laborais, sociais, de saúde e de combate ao racismo e xenofobia) organizadas por pessoas migrantes, refugiadas e racializadas;
- Promover parcerias entre órgãos de comunicação social mainstream, coletivos, alternativos e outros meios/formas de comunicação, de modo a dar visibilidade aos problemas que enfrentam as pessoas migrantes, refugiadas e racializadas, entre outras, e implementar estratégias de combate a essas dificuldades;
- Promover o aumento da representatividade de pessoas marginalizadas e vulnerabilizadas, nomeadamente pessoas racializadas, nos media e nas redações (em especial nas editorias e noutros cargos de decisão).