As atitudes, práticas e decisões políticas legitimadas por entendimentos patriarcais sobre masculinidades (e relações de género) têm afetado o mundo em tempos de pandemia, com expressões visíveis no dia a dia. São já conhecidos alguns dos seus impactos, evidenciando expectativas relativamente a diferentes papéis que a sociedade espera que homens e mulheres desempenhem. Os discursos masculinos têm dominado as respostas internacionais e governamentais à COVID-19, e as várias abordagens e propostas globais são vincadamente moldadas por políticas masculinizadas, de que são exemplo as declarações de “guerra” ao vírus. Trata-se de uma analogia problemática, já que o fundamental para enfrentar esta crise, a curto prazo, é a antítese da “guerra” – o cuidado, a solidariedade social ou o apoio comunitário. Alguns líderes mundiais, por outro lado, têm mostrado desdém em relação à pandemia, agindo como se os seus países fossem demasiado fortes para serem afetados por ela.
Estes discursos patriarcais podem ter consequências sérias nas políticas nacionais e globais, incentivando abordagens militarizadas e autoritárias e dando prioridade a setores económicos e sociais dominados por homens, negligenciando os setores vitais onde as mulheres estão mais presentes. Acresce a isso a precariedade dos postos de trabalho feminino, que ficam à margem das medidas de proteção desenhadas, ou o acréscimo de responsabilidades de cuidado que têm recaído sobre as mulheres, exacerbadas pela menor propensão dos homens em cuidarem de si mesmos e dos outros/as.
É necessário repensar os momentos de transição em tempos de crise, tendo como foco analítico e epistemológico as transformações e escolhas que têm implicações geracionais e de género. Compreender como esta crise foi exacerbada por abordagens e respostas políticas patriarcais – como moldou masculinidades, relações de género e dinâmicas domésticas/familiares – é essencial, no curto e médio prazos. Mas, acima de tudo, é urgente perceber como os momentos de crise desafiam construções patriarcais de masculinidades, constituindo espaços de não violência e igualdade. Estamos, portanto, no momento de entender os fatores associados a percursos não violentos e equitativos de masculinidade e relações de género, trazendo para o centro do debate o conceito e práticas de cuidado (formal e informal), essenciais para a prevenção da violência e para alcançar sociedades mais equitativas a longo prazo. Isto significa entender o potencial emancipatório de promoção de masculinidades cuidadoras no desafio às estruturas patriarcais dominantes e na hierarquização de prioridades políticas.
Como citar: Moura, Tatiana (2020), "Patriarcado, masculinidades e pandemia", Palavras para lá da pandemia: cem lados de uma crise. Consultado a 23.11.2024, em https://ces.uc.pt/publicacoes/palavras-pandemia/?lang=1&id=30324. ISBN: 978-989-8847-24-9