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Pessoas com deficiência
Bruno Sena Martins

A realidade das pessoas com deficiência é profundamente marcada por uma exclusão social que se revela na maior exposição a condições de precariedade económica, de desemprego, de isolamento social, bem como no reduzido acesso a bens públicos e esferas de participação política. Trata-se de um quadro que vem sendo desafiado pela crescente denúncia do capacitismo (em inglês, disablism), entendido enquanto uma forma de opressão social que assenta na definição de uma inferioridade individual, naturalizada nos corpos, das pessoas socialmente definidas pelo idioma da deficiência. A resposta ao novo coronavírus obrigou a generalidade da população a viver pela primeira vez uma experiência de confinamento social que marca, há muito, a existência das pessoas com deficiência.

Além de valores e atitudes que as desqualificam, as pessoas com deficiência enfrentam barreiras arquitetónicas e comunicacionais, obstáculos no acesso aos transportes, ausência, insuficiência ou inadequação do apoio no sistema regular de educação, critérios excludentes para o acesso ao emprego. Portanto, instaura-se um círculo vicioso entre a invisibilidade social das pessoas com deficiência e a menorização das estruturas de opressão vividas por este grupo populacional. Este círculo é tão vicioso na medida em que a ideia de deficiência está fortemente imbricada na modernidade eurocêntrica, nomeadamente numa hegemonia da normalidade que recorre à biomedicina para distinguir os corpos válidos daqueles que seriam desviantes, inferiores ou incuráveis. O facto de as diferenças que definem as pessoas com deficiência serem naturalizadas como indicadores de uma situação de marginalidade social, entendida como fatal, tem implicações para a notável ausência da luta anticapacitista em variadas agendas de emancipação social.

Importa reconhecer as experiências e aspirações das pessoas com deficiência não apenas para o desenho de políticas sociais que lhes sejam diretamente dirigidas, mas para o desenho de uma nova sociedade que necessariamente terá de se libertar de uma normalidade capitalista, patriarcal, heterossexista, racista e capacitista. Na verdade, a esmagadora maioria de pessoas portadoras de deficiência física tem todas as condições de exercer uma profissão, de aceder ao ensino superior, de usufruir do espaço público e de ter uma participação democrática ativa. Para tal, importaria que fosse considerada a exuberante diversidade funcional e estética que marca a existência humana, a salvo dos ideais de normalidade que hierarquicamente assentam no sistemático confinamento de lutas, corpos e subjetividades.



Como citar:
Martins, Bruno Sena (2020), "Pessoas com deficiência", Palavras para lá da pandemia: cem lados de uma crise. Consultado a 20.04.2024, em https://ces.uc.pt/publicacoes/palavras-pandemia/?lang=1&id=30287. ISBN: 978-989-8847-24-9