A pandemia de COVID-19 tem agravado as condições de desigualdade já existentes nas sociedades, evidenciando dinâmicas racistas sistematicamente negadas. A (im)possibilidade de visibilizar essas condições decorre dos efeitos do próprio racismo, que se manifestam na difusão de ideias tais como a de que “o vírus não vê cor, é um equalizador”.
Nos contextos português e espanhol, a negação do racismo ficou patente seja pela não produção de dados étnico-raciais, seja pela legitimação de tratamento diferenciado no acesso a serviços básicos ou ainda pelo aumento da vigilância do corpo racializado, pois além de perigoso, agora também é contagioso. O anticiganismo, a islamofobia e a antinegritude criam “permanentes estados de exceção”, que normalizam e justificam as violências das estratégias de segurança antes, durante, e após a pandemia. Em Portugal, o Bairro das Pedreiras – um gueto construído para realojar famílias ciganas em Beja – tem sido alvo de algumas notícias que salientam a vulnerabilidade dessas famílias à infeção por COVID-19, uma vez que vivem em condições habitacionais extremamente precárias. Uma das medidas implementadas para controlar o cumprimento do confinamento foi a presença das forças de segurança nas zonas de acesso ao bairro.
Publicações nos media e nas redes sociais têm mantido a dinâmica de reprodução de imaginários racistas. No contexto espanhol, no mês de março de 2020, circularam boatos nas redes sociais sobre a população cigana da cidade de Haro, assegurando que “os ciganos estavam a fazer o que queriam sem que a polícia os pudesse controlar”. Determinados jornais publicaram notícias focadas no “incumprimento” das medidas de confinamento em bairros sociais, desumanizando a população cigana.
As políticas de emergência criadas pelos Estados com foco nos migrantes e ciganos, ilustram como os governos enxergam e tratam as populações racializadas. A pandemia tem revelado que há uma sobrerrepresentação de pessoas racializadas em trabalhos precarizados, como no setor de serviços domésticos. Com a perda desses empregos e a exigência de vários condicionantes para acederem a apoios sociais, essas pessoas são deixadas à própria sorte – o que produz mais precariedade e revitimização.
Frente a precariedade da assistência oferecida pelo Estado, as organizações antirracistas e associações de base em diversas cidades portuguesas e espanholas têm mobilizado as suas redes de solidariedade para dar apoio às famílias negras e ciganas e denunciar a falácia do “vírus democrático” bem como a negação de direitos básicos pelos Estados nacionais de uma Europa antinegra e anticigana.
No contexto espanhol, as associações antirracistas têm visibilizado o aumento do número de denúncias por violência policial desde que se decretou o estado de alarme, disseminando uma contranarrativa: este aumento não é meramente circunstancial, mas evidencia que historicamente os corpos das pessoas racializadas são tratados permanentemente como ameaça ao Estado democrático.
Enquanto as pessoas brancas desejam “voltar à normalidade” depois da pandemia, os grupos racializados tensionam o significado dessa “normalidade”.
Como citar: Maeso, Silvia Rodríguez; Araújo, Danielle Pereira; Coelho, Luana; Fejzula, Sebijan (2020), "Racismo institucional", Palavras para lá da pandemia: cem lados de uma crise. Consultado a 21.11.2024, em https://ces.uc.pt/publicacoes/palavras-pandemia/?lang=1&id=30291. ISBN: 978-989-8847-24-9