Na grande maioria das sociedades humanas domina uma visão antropocêntrica do mundo, colocando o ser humano no centro do Universo e, como tal, dando precedência às necessidades humanas sobre as necessidades de outras espécies e o equilíbrio dos ecossistemas. Os actuais padrões de produção e consumo num sistema global marcadamente capitalista assentam numa premissa de acumulação e exigem uma extracção intensiva dos recursos naturais do planeta. Mas nem esses recursos são infinitos, nem essa extracção se faz sem provocar enormes, e muitas vezes permanentes, desequilíbrios nos ecossistemas, pondo em perigo a sobrevivência das espécies ou provocando a sua extinção. As actividades humanas estão, assim, fortemente associadas a esta “crise da biodiversidade”, que é também, por inerência, uma crise que ameaça a humanidade – pois dependemos das restantes espécies para sobreviver – e acentua os desequilíbrios sociais – pois nem todas as pessoas estão a ser ou serão afectadas da mesma maneira.
Um problema complexo não terá alternativas simples. Pensemos em três, que implicam mudanças profundas no modo de olhar o mundo e viver o quotidiano. A primeira: identificar o lugar da humanidade na natureza. Somos humanos, primatas, mamíferos, animais, seres vivos; não merecemos mais deste planeta que qualquer outra espécie, não temos poder para extrair, destruir ou alterar drasticamente os ecossistemas. Esta visão ecocêntrica do mundo, obliterada em muitas sociedades humanas, aproxima pessoas e natureza e ajuda a repensar os impactos locais e globais da actual crise ambiental. Reconhecer-nos como parte da biodiversidade é perceber que a nossa saúde está intrinsecamente associada à saúde – equilíbrio – dos ecossistemas. Perturbações desse equilíbrio colocam em perigo a saúde humana. A pandemia de COVID-19 aparece-nos como um resultado destas perturbações e obriga-nos a reflectir sobre as múltiplas causas da origem da doença. E essa reflexão leva-nos à segunda alternativa: reduzir o consumo. As nossas acções têm impactos sociais e ecológicos; acções individuais podem ser assumidas como actos colectivos e políticos. O consumismo parece estar generalizado e aparenta ser algo inócuo: em muitos casos, é feito em lojas limpas e apelativas ou em plataformas digitais. Mas a cadeia de produção não é inofensiva, está fortemente associada às alterações climáticas e a graves injustiças sociais. É preciso, por isso, parar e definir o que é suficiente e o que está a mais, o que é excessivo. A terceira alternativa surge ligada a esta, apelando a uma mudança de hábitos de consumo. Assim, o apelo é para um consumo consciente, que está dentro da baliza do que se considera necessário. Consumir apenas o que foi produzido com impactos sociais e ecológicos mínimos, respeitando a saúde (e o bem-estar) das pessoas e do ambiente ao longo da cadeia de produção e distribuição.
* Por vontade da autora, este texto não segue as regras do Acordo Ortográfico de 1990.
Como citar: Campos, Rita (2020), "Biodiversidade", Palavras para lá da pandemia: cem lados de uma crise. Consultado a 21.11.2024, em https://ces.uc.pt/publicacoes/palavras-pandemia/?lang=1&id=30228. ISBN: 978-989-8847-24-9