A pandemia de COVID-19 amplificou desafios que já se colocavam ao exercício de um papel social considerado por muitos/as apenas fonte de felicidade e de bem-estar emocional – a parentalidade – que é, porém, também, fonte de exigências geradoras de stress.
Quando há um desequilíbrio entre estas exigências e os recursos que coexistem para lidar com elas – por as primeiras serem em maior número ou terem mais impacto – surge a síndrome do burnout parental (BP), uma perturbação de saúde mental caracterizada por um estado de exaustão e um sentimento de saturação relacionados com o papel parental, com perda de prazer em estar com os filhos e distanciamento emocional destes, contrastando estes sentimentos e estados com os que existiam antes.
O confinamento e distanciamento social, implicados na crise pandémica de COVID-19, comportam quer o surgimento e amplificação de circunstâncias anteriores potencialmente geradoras de stress parental, quer uma redução dos recursos disponíveis para os pais e mães lidarem com ele, potenciando o desenvolvimento de BP. Geram exigências, tais como a de conciliação do trabalho, para muitos/as realizado remotamente em casa, com o aumento das tarefas domésticas e das tarefas relacionadas com o cuidar das crianças – com o dever acrescido de garantia de condições para o ensino em casa; e, para muitos/as, com a pressão adicional da perda de rendimento resultante de lay-off, de desemprego ou da ameaça de despedimento.
Sabendo-se que em situações de crise decorrentes de emergências sanitárias, com o encerramento das creches, jardins de infância e escolas, aumenta a violência contra as crianças bem como a vulnerabilidade das mesmas, parte da resposta tem de passar pela prevenção do stress e do BP através de medidas que reduzam os fatores de risco específicos, mas que aumentem também os recursos e transformem esta crise pandémica numa oportunidade para fortalecer as relações dos pais e mães com os filhos.
Uma das respostas passa pela criação e/ou disponibilização de recursos promotores de parentalidade positiva, integrados num discurso social de valorização da parentalidade – sem o tom culpabilizador, centrado apenas nos deveres e num “ideal” de mãe e de pai irrealista e afastado dos valores de cada família. Perceber, ouvindo, os pais e as mães sobre a forma como gostariam que estes recursos lhes fossem oferecidos é, por isso, crucial.
É igualmente importante sensibilizar mães e pais para o autocuidado (pessoal e enquanto casal) e os homens para um papel mais ativo na parentalidade.
Perante uma pandemia especialmente imprevisível como a presente, torna-se urgente que nos organizemos como sociedade para a promoção e proteção dos direitos das crianças e jovens através do apoio à parentalidade positiva – lembrando-nos que a parentalidade não pode encerrar nem entrar em quarentena.
Como citar: Gaspar, Maria Filomena (2020), "Parentalidade", Palavras para lá da pandemia: cem lados de uma crise. Consultado a 21.11.2024, em https://ces.uc.pt/publicacoes/palavras-pandemia/?lang=1&id=30172. ISBN: 978-989-8847-24-9