Ao colocar o lucro no centro das actividades económicas, o capitalismo persegue a mercadorização de todas as coisas e de todas as relações sociais. Ao transformar o trabalho numa mercadoria lançou para a invisibilidade e a precariedade uma enorme diversidade de actividades humanas que, não sendo assalariadas, produzem e asseguram a vida de muitas formas, mas que não têm como desígnio a acumulação e o lucro e que são, em grande parte, asseguradas por mulheres de todas as idades em todos os cantos do planeta. São os trabalhos do cuidado implicados na higiene, na alimentação, no abrigo, no vestuário, ou seja, na criação das condições fundamentais para a sobrevida biológica. São também os trabalhos da agricultura, da pesca e da floresta de pequena escala; os circuitos de trocas recíprocas na comunidade ou na vizinhança; os circuitos comerciais de proximidade; as pedagogias que servem para educar, preservar a identidade e a memória social, a espiritualidade ou a língua. São, em geral, as estratégias de interacção face a face e todo o trabalho emocional de criação das condições imanentes e transcendentes de uma vida que é gostosa de se viver. Por isso, o cuidado não tem sido considerado trabalho produtivo, mas meramente reprodutivo.
O relatório da OXFAM de 2020 estima que os trabalhos do cuidado levados a cabo pelas mulheres no mundo representam uma economia superior à do sector tecnológico. Traduzido em números, estes trabalhos equivaleriam a 10,8 biliões de dólares norte-americanos de riqueza por ano. Isto significa que grande parte da acumulação de riqueza da pequeníssima elite de 1% das pessoas do planeta não seria possível sem o trabalho não pago das mulheres de todas as idades. A alternativa desdobra-se nas seguintes medidas: (1) reconhecer que os trabalhos do cuidado são produtivos, pois eles produzem e alimentam incessantemente a vida que vale a pena ser vivida; (2) ao contrário do ideal capitalista da maximização do lucro, a vida, em todas as suas formas, deve estar no centro de todas as sociabilidades e de todas as economias; (3) os trabalhos do cuidado são responsabilidade de todas e todos e não são uma segunda natureza das mulheres; (4) valorizar os conhecimentos gerados pelos trabalhos do cuidado para pensar a sustentabilidade profunda da vida e do mundo; (5) contabilizar e remunerar justamente os trabalhos do cuidado; (6) afirmar que em tempos de crise ou pandemia é incorrecto sustentar que a economia está parada. Ao contrário, as economias que produzem a vida incessantemente estão a funcionar na sua máxima capacidade para proteger, alimentar, abrigar, curar, cuidar, produzir alimentos, limpar, apoiar e amar. As economias do cuidado não são apenas uma grande economia em termos numéricos, mas significam uma força poderosa para contrariar a colonização das nossas sociabilidades por tecnologias não conviviais e são uma realidade fontal e originária sem a qual ser, existir, resistir e porvir será impossível.
* Por vontade da autora, este texto não segue as regras do Acordo Ortográfico de 1990.
Como citar: Cunha, Teresa (2020), "Economias do cuidado com a vida", Palavras para lá da pandemia: cem lados de uma crise. Consultado a 21.11.2024, em https://ces.uc.pt/publicacoes/palavras-pandemia/?lang=1&id=30111. ISBN: 978-989-8847-24-9