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Educação e desigualdades
Rui Gomes

As desigualdades são anteriores à crise provocada pela pandemia de COVID-19: elevados índices de insucesso e abandono que atingem sobretudo os grupos sociais com menos recursos, incumprimento da escolaridade obrigatória em quase todos os ciclos de estudo, incapacidade de integrar com sucesso as minorias étnicas, lentidão no processo de generalização do ensino pré-escolar e deficiências no modo como se lida com o ensino integrado.

A desigualdade de acesso à sociedade digital tornou-se notória com o recuo dos alunos para o espaço doméstico, mas são apenas um exemplo do acesso desigual a bens culturais. A infoexclusão anda a par da utilização das novas tecnologias como simples meio auxiliar do ensino tradicional e não como ferramenta de aprendizagens diferenciadas e ancoradas nas experiências dos alunos.

As desigualdades sociais transformam-se em desigualdades escolares por força do modelo oitocentista da classe graduada em que se ensina a muitos como se se estivesse a ensinar a um só. O modelo tradicional da escola de massas, baseado no ensino coletivo, na sala de aula para um grupo de alunos fixo e homogéneo e num tempo uniforme mostrou-se obsoleto quando confrontado com as enormes desigualdades económicas e culturais dos alunos.

A ficção de um aluno médio que representa a totalidade sobrevive através do exame. Supõe-se que os alunos que transitam são os que estão em condições de receber o mesmo ensino coletivo no grau seguinte. O exame também é a forma de certificar o valor de cada um e de inserir esse valor na lógica produtivista do mercado de trabalho capitalista. A meritocracia fez do exame o modo de esconder as desigualdades dos recursos económicos e do capital cultural das famílias por trás da neutralidade e objetividade dos resultados dos alunos.

A resolução das desigualdades passará pelas seguintes medidas:

  • Cumprimento integral da escolaridade obrigatória de 12 anos, reduzindo o insucesso e o abandono a níveis residuais.
  • Generalização do ensino pré-escolar, integrando-o no ensino obrigatório.
  • Estabelecimento de programas específicos de integração das minorias étnicas e dos alunos com necessidades especiais.
  • Expansão dos centros de documentação e informação em rede que permitam uma substancial transferência do ensino reprodutivo para a aprendizagem produtiva, centrada nos percursos autónomos de apropriação do conhecimento.
  • Garantia da substituição de uma parcela do ensino coletivo pelo ensino tutorial ou em pequenos grupos, presenciais e remotos, na base de projetos.
  • Substituição das aulas expositivas pelo trabalho de grupo orientado em novos espaços escolares definidos para o efeito, mas também de forma remota, em bibliotecas ou outros recursos educativos e culturais disponíveis no território. O tempo-padrão da aula pode ser substituído por créditos horários dos professores e alunos em função do cumprimento de finalidades, objetivos e tarefas estabelecidas pelas metas curriculares.
  • Redução até à extinção de todos os exames existentes no ensino universal, obrigatório e gratuito.


Como citar:
Gomes, Rui (2020), "Educação e desigualdades", Palavras para lá da pandemia: cem lados de uma crise. Consultado a 26.04.2024, em https://ces.uc.pt/publicacoes/palavras-pandemia/?lang=1&id=30113. ISBN: 978-989-8847-24-9