RES/RSE
Texto integral
Inglês
Das políticas públicas às intervenções solidárias privadas: a disputa pela cidadania na cidade de São Paulo
Maria Célia Paoli - Brasil

Este capítulo explora algumas acções, experiências e iniciativas organizadas por diferentes sectores da assim chamada "sociedade civil" na cidade de São Paulo, que se dirigem ao amplo contexto de aprofundamento das desigualdades, da expansão da violência e do desemprego, da generalização das carências e das inseguranças coletivas desta cidade, neste final do século. Embora juridicamente São Paulo (como o Brasil) sempre tenha contado com entidades sem fins lucrativos e com uma activa política de assistência social, bem como com sindicatos e associações civis dotadas de recursos e práticas de protecção social, o fenómeno de expansão de organizações não-governamentais voltadas à promoção, assistência e "investimentos sociais" passaram não apenas a ter muita visibilidade como também, para algumas delas, grande rentabilidade. Parece evidente que o encolhimento da acção pública estatal voltado à educação, saúde, habitação, comunidades e atendimento à família explica o espaço aberto para as iniciativas privadas de acção social. Em uma palavra, um espaço que se expande pela crise de um padrão de regulação social.

Este capítulo interroga o sentido e o potencial cultural e político que estas experiências privadas de ação social estão criando. É uma interrogação guiada pelas seguintes preocupações:

  1. Construir critérios de diferenciação entre estas organizações e iniciativas, sobretudo entre aquelas que favorecem alguma forma de responsabilidade civil e cidadã e os que repõem o tradicional padrão de filantropia, cooptação e clientelismo político e social da população, mesmo que em outra linguagem.
  2. Parece claro que estes critérios de diferenciação constituem-se no espaço da "morte anunciada" das políticas públicas governamentais e na decadência da representação institucional da cidade. Este aspecto é importante por constituir os argumentos de legitimação dos discursos de "responsabilidade social" por gente que nunca se propôs a intervir na miséria social nem no debate político (como é o caso dos empresários) e também porque gera uma apropriação da linguagem antes usada para construir estratégias contra-hegemônicas e abrir caminho para a política ampliada.
  3. Finalmente, o capítulo volta-se para os cidadãos comuns da cidade, em especial para os atingidos por este tipo de acção. Visa-se saber como avaliam as organizações que os chamaram, em cada caso, como clientes, como público específico, como objecto de filantropia, como participantes e auto-organizadores de decisões. Supõe-se que eles sejam os portadores reais da capacidade de julgamento sobre o sentido desse movimento, sobretudo porque herdeiros de um contexto histórico de desigualdades e também observadores e participantes de um quadro de valores inscrito em sua experiência e em sua memória. Ao contrário do discurso neoliberal, que segmenta passado e presente e pensa inaugurar o totalmente novo na paisagem brasileira, os cidadãos comuns olham para a prática social a partir de suas próprias vidas e pensam em suas possibilidades e limites em seus potenciais de construção de um lugar em um mundo comum, com fronteiras permeáveis.

 
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