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Profissões da saúde
Pedro Hespanha

Neste amplo conceito de profissões da saúde cabe uma diversidade de categorias ou grupos profissionais, a saber: médicos, médicos dentistas, enfermeiros, farmacêuticos, nutricionistas, psicólogos, técnicos auxiliares de diagnóstico e terapêutica, gestores hospitalares, auxiliares de saúde, etc. Numa situação de pandemia – como a de COVID-19 – torna-se necessário distinguir entre profissionais de primeira linha e profissionais de retaguarda: os primeiros com um nível de risco e de stress mais elevados devido à condição de emergência e de imprevisibilidade dos cuidados, sendo que esta distinção tanto opera dentro de cada profissão quanto entre as profissões.  

Os profissionais da saúde assumem uma elevada responsabilidade, mas têm fracas condições para desempenhar as suas funções. Identificamos de seguida vários problemas com os quais se confrontam:

  • Em geral, os serviços de saúde não estão preparados para situações de emergência pandémica, quer porque estão dimensionados para uma procura “normal”, quer porque não estão organizados para interagir com atores e instituições médicas e não médicas;
  • A falta de recursos essenciais pode obrigar os profissionais de saúde a tomar decisões ou a seguir procedimentos que comprometem o dever de ajuda universal e podem lesar os direitos de alguns doentes;
  • Em situações médicas de emergência nem sempre as equipas multiprofissionais funcionam com respeito pelas competências distintas de cada profissão e sob uma coordenação capaz de gerar confiança entre os profissionais;
  • As condições de trabalho intensivo e o risco acrescido a que ficam sujeitos os profissionais não são reconhecidos, nem em termos remuneratórios, nem de carreira;
  • A relação médico-doente ficou muito afetada com as medidas restritivas nas consultas médicas desencadeadas pela pandemia. Em substituição usou-se o expediente da teleconsulta e muita gente vem agora defender que esse deve tornar-se o regime normal de atendimento dos doentes.

O que a pandemia veio tornar mais óbvio é a necessidade de criar práticas profissionais integradas e sustentadas que permitam superar os problemas mencionados.

Por um lado, os planos de contingência de cada serviço devem ser efetivamente individualizados, no sentido de terem em conta as particularidades de cada caso, e periodicamente reavaliados, para se ajustarem a fatores imprevistos; e, por outro, o investimento no Serviço Nacional de Saúde deve ser reforçado para garantir recursos adequados e uma gestão eficaz e simplificada dos mesmos.

A existência de situações conflituais entre as disponibilidades dos serviços e o direito dos doentes nunca pode ser ocultada, devendo ser acionadas comissões de ética, de composição plural, para assessorar nas decisões.

A solidariedade interprofissional, embora de difícil resolução, tem de ser uma meta, cabendo a todos – escolas de formação, associações profissionais, direções dos serviços de qualquer escalão, meios de comunicação social – ajudar a criar um clima de respeito e confiança entre profissões, bem como combater as práticas discriminatórias (tanto mais evidentes quanto mais baixo seja o estatuto social) que alimentam o problema. Caso contrário, não é de esperar que as pessoas se mobilizem em tarefas cansativas não valorizadas, apesar de essenciais.

A sociedade já demonstrou, em toda a parte, o seu reconhecimento aos profissionais de saúde que combatem no terreno a COVID-19. É preciso que haja também um reconhecimento institucional, designadamente através de uma provisão legal que cubra esta disponibilidade, mas também as situações de trabalho intensivo e de risco acrescido, em que os profissionais colocam o bem-estar social acima dos próprios interesses.

Por fim, sendo a teleconsulta uma solução de recurso que vem eliminar a relação face a face entre o doente e o profissional de saúde, ela só deverá ter lugar excecionalmente e quando não compromete as relações diretas com os doentes – assentes em emoções, confiança e privacidade.



Como citar:
Hespanha, Pedro (2020), "Profissões da saúde", Palavras para lá da pandemia: cem lados de uma crise. Consultado a 29.03.2024, em https://ces.uc.pt/publicacoes/palavras-pandemia/?lang=1&id=30289. ISBN: 978-989-8847-24-9