Nas instituições de ensino superior (IES) em Portugal, cada vez mais pessoas académicas ensinam e pesquisam tendo vínculos temporários sem acesso à carreira. Entre docentes, o peso de convidados aumenta: se em 2012 eram 30%, em 2018 já representavam 42%. Entre investigadores, não há estatísticas, exercendo uma parte funções através de associações privadas das IES, mas os vínculos temporários são a quase totalidade. Há uma divisão geracional e de género: a maioria das pessoas académicas nas carreiras têm mais de 50 anos e são homens. Já a maior parte das pessoas académicas com menos de 50 anos, estando as mulheres em maioria, não têm vínculo permanente. Entre as pessoas doutorandas a situação é pior: raramente têm acesso à docência (em IES reputadas de outros Estados é obrigatória e remunerada), o financiamento competitivo é escasso, e o financiamento interno das IES é praticamente inexistente. Aliás, as IES aceitam pessoas doutorandas sem perspectiva de remuneração, contrariamente ao que é a doxa em IES de outros países, fomentando a reprodução de desigualdades. A situação tem vários efeitos indesejáveis para o ensino e para a investigação, começando pela baixa atracção para académicos formados noutros sistemas nacionais. Por outro lado, reforça a desarticulação entre ensino superior e investigação científica, o que prejudica o rigor e a criatividade em ambas as actividades; dificulta a constituição de equipas a longo prazo, já que o espaço-tempo social da investigação científica, especialmente da investigação básica, é impossibilitado por contratos temporários; e impede o acesso das pessoas académicas sem vínculos permanentes, que tendem a ser mulheres e mais jovens, à deliberação colectiva das IES.
A alternativa implica abandonar o modelo conceptual da “excelência” supostamente trazida pela temporariedade competitiva, que sustenta as práticas de erosão da academia; e optar por um modelo de carreiras colaborativas. Justificando-se a existência de vínculos temporários nas IES, é urgente reverter o aumento de docentes convidados e definir uma percentagem máxima de investigadores com vínculo temporário idêntica à da carreira docente, que não deveria ser acima de 30%. Para isso, é crucial definir critérios de avaliação nacionais, especialmente para o acesso à nomeação definitiva. Seria também importante pesar a possibilidade da progressão interna, mais uma vez num quadro nacional, tal como existe noutras carreiras. Existindo um papel para as associações de direito privado, nomeadamente na valiosa promoção da interdisciplinaridade, seria de explorar a possibilidade de deixar de utilizar tais associações para vínculos, fortalecendo os processos deliberativos das IES. Há também que dar acesso à docência às pessoas doutorandas, libertando as pessoas docentes de parte da sua carga lectiva excessiva, e iniciar a transição para um regime de contratação das primeiras. Urge pensar o futuro das IES em Portugal como um todo caracterizado por uma ética académica de colegialidade e colaboração.
* Por vontade do autor, este texto não segue as regras do Acordo Ortográfico de 1990.
Como citar: Castela, Tiago (2020), "Emprego académico", Palavras para lá da pandemia: cem lados de uma crise. Consultado a 21.11.2024, em https://ces.uc.pt/publicacoes/palavras-pandemia/?lang=1&id=30510. ISBN: 978-989-8847-24-9