Vulnerabilidade é uma condição dos indivíduos ou dos sistemas coletivos quando estão sujeitos a processos dos quais resulta uma diminuição das suas capacidades e dos papéis que desempenham, assim como da possibilidade de recuperarem das perdas que sofreram e de retomarem as circunstâncias anteriores. Supõem-se aqui as vulnerabilidades que são essencialmente geradas ou induzidas por processos institucionais e políticos, isto é, por deliberações e formas de organização que juntam novas fragilidades à condição necessariamente incerta e contingente da vida individual e coletiva. A noção de vulnerabilidades é multidimensional e multiescalar e é sensível ao espaço e ao tempo. Trata-se, além disso, de uma noção relacional, que considera os aspetos estruturais e o sistema de organização económica, social e política. Uma política de reversão das vulnerabilidades será uma ética social e política do cuidado, isto é, de reconstituição das relações que capacitam os indivíduos e a organização coletiva.
O Portugal contemporâneo tem estado sujeito a processos relevantes de geração de vulnerabilidades e elas podem identificar-se em diferentes escalas e dimensões. Isso aconteceu à medida que, fruto da inserção pouco prudente em processos e contextos em que é periférico, foi desfazendo alguns dos mecanismos que lhe davam domínio sobre a sua organização coletiva sem criar novos patamares, mais robustos, acentuando assim as suas dependências. O choque da austeridade foi um momento essencial para os problemas com que hoje nos confrontamos. Mas nem por isso a questão se limita a ele. E mesmo quanto às fragilidades criadas mais recentemente, houve processos que, entretanto, reverteram vulnerabilidades e houve processos que criaram, consolidaram ou aceleraram novas fragilidades. Agora, estamos perante as que a pandemia revelou e criou.
As vulnerabilidades são multiescalares e é possível identificá-las nos planos macroeconómico, estatal, territorial, local, metropolitano, no cuidado que se dispensa às pessoas, nas relações laborais e no plano sindical, na progressiva transformação de custos privados em custos sociais, nas relações intergeracionais ou nos territórios físicos, sob a forma de riscos.
Sendo as vulnerabilidades multiescalares, as alternativas também o são. No plano macroeconómico há um novo equilíbrio a encontrar para lá das regras da chamada “governação económica” europeia e dos limites que ela implica nos planos monetário, orçamental e das políticas públicas. Trata-se de reconstituir formas de ação pública que fortaleçam a sociedade, superando desequilíbrios e qualificando-a. Internamente, para além de tratar de áreas de risco, o país precisa de políticas públicas que restituam capacidade aos seus territórios, assegurando também que a capital e a sua área metropolitana se tornem mais coesas e capacitadas do ponto de vista económico e social, substituindo um modelo de crescimento escassamente qualificado e que tem esgotado demograficamente o resto do país. As políticas sociais, o valor a dar ao trabalho e ao bem-estar precisam também de retomar a centralidade que perderam.
Como citar: Reis, José (2020), "Vulnerabilidades", Palavras para lá da pandemia: cem lados de uma crise. Consultado a 21.11.2024, em https://ces.uc.pt/publicacoes/palavras-pandemia/?lang=1&id=30490. ISBN: 978-989-8847-24-9