A paz positiva inclui, além da ausência generalizada de violência física, a ausência de violência estrutural, aquela que gera desigualdades, que discrimina, que estigmatiza, que confere oportunidades diferentes a cada pessoa. A maioria dos países ditos democráticos vivem num contexto de paz positiva, pois têm quadros normativos e institucionais que protegem toda a sua população em termos de direitos fundamentais e que promovem a igualdade de oportunidades individuais. Este contexto de paz positiva é tão mais sustentável quanto for resiliente, ou seja, quanto consiga absorver alterações, mesmo as mais drásticas e rápidas, sem colocar em causa a proteção desses direitos fundamentais e a promoção da igualdade de oportunidades. Por outras palavras, a sustentabilidade da paz é testada em momentos de exceção e a sua fragilidade torna-se visível com o exacerbar dos desequilíbrios e das desigualdades sociais e económicas. No contexto da atual pandemia de COVID-19, as pessoas com empregos precários, com empregos que exigem presença física, que sobrevivem da economia informal, que vivem em habitações superlotadas ou insalubres, que não têm acesso aos equipamentos e redes tecnológicas para se manterem em confinamento produtivo são as mais atingidas. A sustentabilidade da paz tem sido diariamente questionada neste contexto de pandemia, pois têm sido os grupos mais desprotegidos legalmente, mais frágeis economicamente, mais marginalizados socialmente que têm sido mais desproporcionalmente afetados. Desta forma, a paz positiva em que alegadamente vivíamos – ou achamos que vivemos – não se revela sustentável, e sem uma paz positiva sustentável, a seu tempo, a paz negativa, a ausência de violência física generalizada, pode também sofrer desafios estruturais.
Aprovar legislação e criar instituições para proteger os direitos fundamentais de toda a população é um importante primeiro passo para a coconstrução de uma sociedade mais justa, sustentável e pacífica. Mas é essencial que estes valores se institucionalizem como práticas sociais e, para tal, é preciso assumir um compromisso estrutural com a Educação para a Paz, a todos os níveis e em todos os domínios. A Educação para a Paz deve ser estruturalmente incluída na formação das forças de segurança, assim como dos profissionais do setor da saúde e da justiça; na formação dos profissionais dos setores do comércio e dos serviços; na formação de professores e educadores; e no próprio ensino básico e ensino superior, incluindo o ensino tecnológico e artístico, as humanidades e ciências sociais, e as ciências ditas exatas. A Educação para a Paz tem de ser internalizada em todos os programas de formação, qualificação e educação, não como uma matéria a ser simplesmente lecionada, mas como uma forma de lecionar, de formar, de educar. Sem a transformação estrutural da sociedade promovida por uma Educação para a Paz, enraizando a paz positiva e promovendo culturas de paz, a sustentabilidade e a resiliência da paz serão sempre ilusórias, precárias e temporárias.
Como citar: Lopes, Paula Duarte (2020), "Sustentabilidade da paz", Palavras para lá da pandemia: cem lados de uma crise. Consultado a 21.11.2024, em https://ces.uc.pt/publicacoes/palavras-pandemia/?lang=1&id=30478. ISBN: 978-989-8847-24-9