A crise sanitária provocada pela COVID-19 colocou a nu algumas das fragilidades estruturais das prisões portuguesas, obrigando o poder político a tomar medidas de emergência que permitiram a saída imediata de quase dois mil reclusos. A sobrelotação prisional é um “velho” problema português que coloca complexos desafios ao sistema penal. Segundo dados do Conselho da Europa, em Portugal, a população prisional era de 12 867 reclusos em janeiro de 2019, correspondendo a uma taxa de reclusão de 125 presos por 100 mil habitantes, superior à média europeia de 106 reclusos. Na lista de 43 países, Portugal era o 14.º país com a taxa de encarceramento mais elevada, integrando-se no pequeno grupo de países que representavam a exceção à tendência geral de redução da população prisional. A excessiva taxa de reclusão que aqueles valores exprimem evidencia o paradoxo de estabelecimentos prisionais sobreocupados com cidadãos de baixos recursos sociais e económicos, a cumprir penas de prisão pela prática de crimes de pequena e média gravidade, como resulta dos indicadores conhecidos. A sobrelotação prisional agrava outros problemas estruturais, como as más condições de higiene, salubridade e segurança dos edifícios e a definição e execução, para todos os reclusos, de programas credíveis de reinserção social – incluindo o trabalho, educação e relações com o exterior –, o que coloca em causa direitos fundamentais das pessoas reclusas, tendo motivado a mobilização de tribunais europeus contra o sistema penitenciário português.
O crescimento da população prisional depende de um conjunto alargado de fatores, tais como o volume e a estrutura da criminalidade denunciada, acusada e julgada, a perceção dos cidadãos face à segurança e à gravidade da criminalidade, mas, sobretudo, das políticas públicas penais. São dois os principais desafios aos quais estas têm que responder eficazmente. O primeiro diz respeito à criação de condições potenciadoras do alargamento da aplicação de penas e medidas alternativas à prisão, sejam de natureza legal (removendo obstáculos da lei) ou organizacional (dotando de recursos adequados as instituições de acompanhamento da execução de penas e medidas, e promovendo respostas integradas ao nível da saúde, emprego, educação, segurança social e comunidade). Nesta agenda estratégica, a formação dos atores judiciais deve assumir um papel central, não só conferindo-lhes competências técnico-jurídicas, mas também como espaço de reflexão crítica sobre os sistemas criminal e penitenciário. O segundo, a montante, coloca o enfoque nas políticas de criminalização/descriminalização de condutas. É fundamental motivar o debate sobre até que ponto estamos a transferir para o sistema penal problemas complexos que exigem outras medidas políticas e sociais. O princípio fundamental de que a prisão – quer como sanção, quer como medida de coação – é a última resposta, tem de ser plenamente concretizado.
Como citar: Gomes, Conceição; Nolasco, Carlos (2020), "Prisões", Palavras para lá da pandemia: cem lados de uma crise. Consultado a 21.11.2024, em https://ces.uc.pt/publicacoes/palavras-pandemia/?lang=1&id=30407. ISBN: 978-989-8847-24-9