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Desigualdades na distribuição do rendimento, no trabalho e nas famílias
Lina Coelho

As crises produzem efeitos económicos e sociais diferenciados, tendendo a agravar as desigualdades preexistentes. E Portugal é um país desigual: em 2018 ocupava o 7.º lugar na zona euro em termos de desigualdade de rendimentos, medida quer pelo índice de Gini, quer pelo quociente do rendimento entre os 20% mais ricos e os 20% mais pobres.

O rendimento familiar é fortemente determinado pela relação com o mercado de trabalho. Ora, a crise resultante da pandemia de COVID-19 ameaça especialmente os empregos envolvendo maior interação social e, como tal, tende a penalizar sobretudo as mulheres e os mais jovens.* A especialização produtiva e o mercado de trabalho têm tido uma evolução conducente à desvalorização salarial das qualificações e ao aumento do trabalho precário e sem direitos para aquela que é a geração mais qualificada de sempre. A evolução da distribuição da riqueza líquida é elucidativa: as famílias abaixo de 35 anos tinham, em 2017, uma riqueza líquida 57% inferior ao mesmo grupo em 2010. E a riqueza líquida dos grupos com menores rendimentos também se reduziu acentuadamente. Algumas tipologias de família são especialmente vulneráveis. É o caso das famílias com crianças – em particular as monoparentais, os casais com três ou mais crianças e as outras famílias não nucleares com crianças – cujas taxas de pobreza em 2018 (33,9%, 30,2% e 23,6%, respetivamente) eram muito superiores à média (17,2%). Os jovens adultos que não trabalham nem estudam, cujo número vinha aumentando na faixa etária dos 20 aos 24 anos (de 13,5% em 2008 para 16,8% em 2018), são também um grupo muito vulnerável.

A atenuação das desigualdades em período de crise é um processo exigente, que requer esforço coletivo, assente na consciencialização das vantagens da equidade. É, em si mesmo, um projeto político, em que a economia é posta no único lugar que é o seu: o de suportar a melhoria generalizada do bem-estar, garantindo provisão de necessidades e criando condições para que todas as pessoas possam viver uma vida digna.

A alternativa necessária é, então, uma economia do cuidado, solidária, humanista e feminista, assente na partilha consciente dos recursos e na distribuição equilibrada dos rendimentos, também (e principalmente) entre capital e trabalho. Uma economia que conta com um Estado que assume a redistribuição como tarefa fundamental e garante subsistência digna a todas as pessoas, assegurando um rendimento básico.

Construir oportunidades iguais para todas as pessoas implica assumir a centralidade do trabalho não remunerado das mulheres na provisão de bem-estar, atribuir-lhe o valor que lhe tem sido sonegado, e socializar os custos do cuidado às pessoas dependentes (crianças, idosos, pessoas com deficiência e doentes). Requer uma escola inclusiva, atenta às diferentes condições de partida e acolhedora das diferenças sociais e das capacidades e dificuldades diversas que nos fazem humanos, uma escola capaz de quebrar o ciclo da reprodução intergeracional das desigualdades. Exige, pois, um Estado social robusto, dotado de capacidade de resposta qualificada e igual para todos.

 


* Acerca da vulnerabilidade das mulheres na crise consulte a entrada “(Des)igualdades entre mulheres e homens”.



Como citar:
Coelho, Lina (2020), "Desigualdades na distribuição do rendimento, no trabalho e nas famílias", Palavras para lá da pandemia: cem lados de uma crise. Consultado a 21.11.2024, em https://ces.uc.pt/publicacoes/palavras-pandemia/?lang=1&id=30381. ISBN: 978-989-8847-24-9