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Relações amorosas
Ana Paula Relvas, Alda Portugal, Luciana Sotero

O mundo enfrenta a maior pandemia do século XXI: a COVID-19. Em dezembro de 2019 registou-se o primeiro caso em Wuhan, na China; em 11 de março de 2020 a Organização Mundial da Saúde (OMS) declarou a pandemia; em 18 de março foi declarado o estado de emergência em Portugal, renovado duas vezes (3 e 17 de abril). Estes dados permitem contextualizar o problema, ou seja, o confinamento e o confronto inevitável entre o Eu e o Tu na relação amorosa.

A circunscrição à habitação e o isolamento social tornaram-se uma realidade com impacto a vários níveis na vida das famílias e dos casais. Maior assistência aos filhos, redução dos contactos com a família alargada e redes sociais, lazer familiar indoor e dificuldade de planeamento a curto/médio prazo, traduziu-se num grande aumento do stress. Um estudo desenvolvido pelo CES* evidencia um aumento estatisticamente significativo do stress, entre os períodos pré e pós isolamento social, em pessoas que estão numa relação amorosa, em coabitação. Sabe-se que o stress pode provocar uma amplificação das dificuldades existentes no casal, como a perceção de menor qualidade conjugal ou aumento do conflito. O contexto criado pela pandemia promove a instabilidade da díade (que, por definição, é em si mesma instável), através do fecho sobre si própria, com redução drástica das habituais e salutares triangulações com os restantes elementos da família ou com o trabalho e os amigos, por exemplo. O problema é então a inevitabilidade da exposição sistemática e continuada do Eu ao Tu (e vice-versa), maximizando as componentes individuais e vulnerabilizando o Nós, ou seja, o coletivo do casal.

As questões de género e poder podem ser afetadas pela excessiva proximidade provocada pelo isolamento, associada à definição tradicional de papéis, ao perfil multitasking das mulheres e à sua função de cuidadoras. Não é assim de estranhar que, no referido estudo, 87,7% dos/as participantes que revelam maior preocupação com a pandemia sejam mulheres.

O citado estudo ajuda a identificar uma alternativa: o(s) terceiro(s) e a qualidade do apoio entre o Eu e o Tu na relação.

Apesar de extremamente preocupados/as com a pandemia e atingindo níveis muito elevados de stress, os/as participantes mostraram que ter alguém com quem se preocupar para além do outro (do Tu), no mesmo espaço de confinamento, parece ser protetor da relação, permitindo que a perturbação emocional (stress, depressão e ansiedade em conjunto) seja menor. Esse alguém, o “terceiro” que ajuda a estabilizar a díade, neste caso, são os filhos, independentemente da sua idade.

O companheirismo e a perceção da qualidade da relação associam-se a maior sensação de controlo sobre a pandemia e a maior bem-estar individual, mas fica claro que esta não interfere transversalmente em todas as relações, pois as mais vulneráveis tendem a ser as mais afetadas negativamente pelo confinamento.

 


https://www.ces.uc.pt/ficheiros2/files/RELATORIO_Resultados%20Preliminares%20sobre%20Impacto%20Psicossocial%20da%20COVID-19%20em%20Portugal.pdf
 



Como citar:
Relvas, Ana Paula; Portugal, Alda; Sotero, Luciana (2020), "Relações amorosas", Palavras para lá da pandemia: cem lados de uma crise. Consultado a 21.11.2024, em https://ces.uc.pt/publicacoes/palavras-pandemia/?lang=1&id=30180. ISBN: 978-989-8847-24-9