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Desigualdades sociais em saúde
Mauro Serapioni, João Arriscado Nunes

As desigualdades sociais de saúde (DSS) e as diferentes formas de exclusão são uma ferida aberta na sociedade em todo o mundo, tanto no Norte como no Sul global. O incremento das desigualdades intra e interpaíses representa um dos problemas mais graves da nossa época. Apesar do aumento geral dos padrões de vida durante o século XX e da introdução de sistemas nacionais de saúde, todos os estudos demonstram que os indicadores de saúde – tal como a expectativa de vida à nascença, a incidência de doenças e o estado de saúde autopercebido –, não são distribuídos aleatoriamente entre a população, mas existem disparidades significativas relacionadas com o género, a classe social, o nível de educação, o tipo de ocupação e o grupo étnico. Daqui decorrem formas de vulnerabilidade estrutural em que convergem diferentes tipos de relações sociais desiguais e de exclusão que se potenciam mutuamente.

O estudo do poder causal das estruturas sociais é fundamental para a explicação das desigualdades de saúde. A classe social estendeu, amplamente, a sua força de influência durante a crescente supremacia do neoliberalismo global, a partir dos anos 1970, o que tem implicado um aumento exacerbado das DSS e dos seus efeitos nocivos na saúde. A redução dos investimentos em saúde e a acelerada privatização dos sistemas de saúde, fortemente induzidos pelos organismos internacionais, têm igualmente contribuído para o aumento das DSS a nível global.

A pandemia de COVID-19 tem intensificado ainda mais as DSS já existentes, em todos os países, especialmente dos grupos mais vulneráveis que estão sendo desproporcionalmente afetados pela pandemia, como demonstram os dados provenientes do Reino Unido, Estados Unidos, Brasil ou Índia.

Nos últimos 30 anos, a literatura epidemiológica e sociológica tem avançado bastante na análise teórica e na interpretação das DSS, assim como na identificação de alternativas efetivas para enfrentar as causas e os efeitos das DSS. Entretanto, em termos de avaliação de resultados de ações para o enfrentamento das DSS, a tarefa é ainda difícil e desafiadora, embora existam interessantes experiências, estratégias e recomendações a serem observadas e adaptadas em diferentes países e contextos.

Neste sentido, o conhecimento existente sugere as seguintes prioridades para as políticas associadas à redução das DSS: i) aumento de recursos públicos para políticas ativas do mercado de trabalho; ii) redução das taxas de pobreza relativa; iii) aumento de recursos públicos para proteção social e habitação; iv) melhoria da qualidade do cuidado e redução dos gastos em saúde das famílias; v) aumento do investimento público em saúde e da sua parcela no orçamento do Estado; vi) políticas educacionais que promovam a participação das pessoas nas decisões sobre políticas que influenciam as suas vidas e a sua saúde. Trata-se de políticas universais que respeitem a especificidade das situações de desigualdade, privação, vulnerabilidade e exclusão que procuram enfrentar, e que devem ser transversais a todas as esferas de governo, para além do sistema de saúde.

Da pandemia de COVID-19 e do seu enfrentamento é possível tirar várias lições para a reconstrução da sociedade de modo a responder às vulnerabilidades, desigualdades e consequências de um modo de vida que é promotor de exploração, exclusão e doença. Aprender com a crise significa, assim, entender as relações mutuamente constitutivas dos problemas de saúde pública, ecologia, economia política, relações sociais, Estado e participação política.



Como citar:
Serapioni, Mauro; Nunes, João Arriscado (2020), "Desigualdades sociais em saúde", Palavras para lá da pandemia: cem lados de uma crise. Consultado a 21.11.2024, em https://ces.uc.pt/publicacoes/palavras-pandemia/?lang=1&id=30109. ISBN: 978-989-8847-24-9