A crise da COVID-19 tem efeitos diferentes para mulheres e homens. Em Portugal, as mulheres constituem, até maio de 2020, a maioria das pessoas infetadas (58%) e dos óbitos registados (51%). E a informação sobre a evolução socioeconómica mostra que o afastamento forçado do local de trabalho, o desemprego e a perda de rendimento estão a afetar desproporcionalmente as mulheres. As especificidades desta crise e a experiência de crises anteriores permitem antecipar uma especial severidade dos impactos para as mulheres, tendo em conta a “ordem de género” vigente. A reconfiguração e o agravamento das desigualdades preexistentes desafiam-nos, pois, a pensar alternativas que mitiguem os impactos de género desta crise.
O emprego feminino concentra-se em serviços de cuidado e de atendimento direto ao público, envolvendo proximidade física entre as pessoas, o que cria uma dupla vulnerabilidade. Por um lado, as mulheres estão mais diretamente expostas à COVID-19 e a riscos de contágio. Por outro, algumas daquelas atividades são severamente afetadas pela recessão, potenciando o desemprego feminino. Acresce que as mulheres estão mais expostas do que os homens a formas de trabalho precário, menores salários e menor proteção legal e social, tornando-as muito vulneráveis a choques económicos.
O encerramento (ou horário reduzido) de escolas, creches e outros equipamentos sociais reforça necessidades de apoio a crianças e pessoas dependentes, tendo um impacto desproporcionado nas mães empregadas e, em especial, naquelas que compõem famílias monoparentais. De acordo com os papéis tradicionais de género tendem a ser as mulheres a exercer o trabalho doméstico e de cuidado não pago. O aumento desta carga de trabalho gera efeitos nefastos para as mulheres, quer em termos de bem-estar psicossocial e saúde, quer nas perspetivas de carreira, já que as obriga a reduzir o envolvimento na esfera profissional (reduzindo horários de trabalho, interrompendo a carreira, reduzindo a sua produtividade em situação de teletrabalho).
A introdução de “lentes de género” na tomada de decisões impõe-se, neste contexto, enquanto alternativa para contrariar a tendência para o agravamento da desigualdade entre homens e mulheres. Tal estratégia envolve, nomeadamente:
- Assegurar a representação das mulheres na tomada de decisão nos diversos níveis e momentos de planeamento da resposta à crise;
- Garantir disponibilidade e acesso a dados estatísticos e informação desagregada por sexo, base indispensável para a tomada de decisões;
- Valorizar as atividades de cuidado, (mal) pago e não pago, essencial à vida e ao funcionamento harmonioso da economia e da sociedade;
- Implementar medidas de combate à segregação ocupacional e setorial e melhorar o acesso das mulheres a oportunidades de emprego de qualidade;
- Reforçar o investimento nos serviços de cuidado, apoio social, saúde e educação;
- Criar pacotes de estímulo orçamental sensíveis ao género, que assegurem uma recuperação económica igualmente benéfica para homens e mulheres;
- Desenvolver estratégias de combate a estereótipos e papéis tradicionais de género, incentivando a participação dos homens no trabalho doméstico e familiar e promovendo a mudança nos papéis de género que está a ocorrer em alguns agregados domésticos (nomeadamente nos casos em que os homens experimentam formas de teletrabalho);
- Conceder apoio excecional às famílias afetadas pelo encerramento de estabelecimentos de ensino e outros equipamentos sociais, com particular atenção a famílias monoparentais e a pais/mães que trabalham em serviços essenciais;
- Possibilitar a redução do tempo de trabalho a pessoas com responsabilidades de cuidado sem perda de retribuição;
- Lançar bases para a concertação social em torno de novas formas de organização do trabalho (incluindo de tempo e espaço de trabalho) sensíveis às circunstâncias de mulheres e homens no contexto do “novo normal”.