A Guerra Colonial encontra-se há muito envolta num espesso manto de silêncios. Propomo-nos alargar o debate sobre a GC a uma vertente pouco explorada, de modo a cumprir dois objetivos. Em 1º lugar, mostrar o impacto duradouro desta guerra, a nível biográfico, não apenas nos ex-combatentes mas também nas populações civis africanas, em particular nas mulheres e nos mestiços filhos da GC. Em 2º lugar, situar o fenómeno da miscigenação e a figura do ‘mulato' dentro da senda imperial e, em particular, da narrativa do colonialismo português.
A questão do ‘cruzamento racial’ — mormente entre colonizadores e colonizadas, dentro de um nexo patriarcalracialista — emergiu em diferentes momentos como uma questão política relevante na legitimação da moderna empresa colonial. Com o eclodir da Guerra Colonial/Guerra de Libertação no início da década de 1960, estabeleceu-se um contexto singular, precisamente aquele cujos legados nos propomos a analisar. A mobilização de quase 1 milhão de soldados da metrópole, permanecendo entre 2 a 3 anos nas frentes de guerra, fomentou um importante fenómeno de relações sexuais e amorosas entre os soldados coloniais e as mulheres negras. Estas relações, mais espontâneas ou mais ‘institucionalizadas’, como parte de uma logística ‘clandestina’ comum a todas as guerras, caracterizaram-se por uma temporalidade circunscrita pelos ritmos das comissões de serviço e das mobilizações para a frente.
A equipa realizará duas fases de trabalho de campo (TC), uma em Portugal (TC I) e outra em Angola, Moçambique e Guiné-Bissau (TC II). Como metodologias privilegiadas serão usadas as histórias de vida e as entrevistas semiestruturadas, em estreita relação com a análise de arquivo institucional relevante, que já se encontra mapeado.
O projeto permitirá valorizar o impacto biográfico e humano que resulta da GC, muito para além dos intervenientes e histórias normalmente considerados nas análises deste conflito. Pela abordagem inovadora que será desenvolvida, os resultados do projeto constituem uma mais-valia para alargar a compreensão do colonialismo português, da mestiçagem em contexto colonial e da relação entre guerra e a memória social das populações duradouramente marcadas pelo seu impacto.