Abusos Sexuais na Igreja - Margarida Figueiredo-Braga

 

AS NOTÍCIAS 

 

As notícias sucederam-se durante semanas de manhã, de tarde e à noite. Telejornais, reportagens em direto das sessões da Comissão, relatos transcritos em discurso direto, entrevistas a peritos, comentadores de vários quadrantes, entidades oficiais e profissionais, em todos os canais e em todos os jornais. Números e estatísticas. Os meios de comunicação fizeram o assunto cair na rua, alimentando voyeurs e aumentando a amplitude do efeito perverso sobre os sobreviventes.

A exposição e discussão mediática das situações de abuso e trauma ocorridas no seio da igreja tem sido mais do que exaustiva. Tem sido abusiva para sobreviventes e familiares, ou próximos.

Houve vítimas que revelaram o benefício da denúncia pública e mediatizada na capitalização da sua capacidade para denunciar e na confirmação que outros passaram por experiências semelhantes, já não estavam sozinhos.

Mas, e a dor dos que nunca conseguiram (ainda) falar sobre isso? E são a maioria, impedidos pela vergonha, pela culpa, pelo medo das consequências, pelos sentimentos de não serem dignos do amor, “bens danificados” expostos ao olhar diferente dos seus próximos e de si próprios. Pessoas que sofrem em segredo, cuja família não sabe nem imagina o que lhes aconteceu, que se sentem obrigados a disfarçar a náusea e a dor, que são forçados a ouvir os comentários e opiniões, que não querem ouvir, descrições exaustivas e detalhadas sobre as circunstâncias e as situações que as transportam sem respeito para a sua própria angustiante história. Aumenta a ansiedade, a tristeza, o desânimo, os pesadelos e o medo.

A exploração mediática revitimiza, reativa os sinais de trauma, confronta com o agressor, mesmo que sem um rosto.  Mesmo quando as vítimas decidem não ver mais notícias, a cascata informativa invade as suas vidas.

Informar é preciso para tornar a população mais atenta e capaz de se defender. Informar sempre sobre a quem e onde se dirigir, reforçar que existe ajuda, que existe esperança. Manter a confidencialidade, o respeito, e poupar nas discussões, comentários, descrições e nos detalhes, não abusar!

 

Margarida Figueiredo Braga

Psiquiatra, Docente FMUP, Investigadora do Observatório do Trauma/CES, Membro da ESTSS

Ir para o topo