ABUSO E MALTRATO DE INFÂNCIA E AS SUAS CONSEQUÊNCIAS AO LONGO DA VIDA
Ainda que as condiçōes de saúde e educação infantil tenham melhorado significativamente no último século, o abuso e o maltrato em crianças continua a figurar como uma prioridade de ação para a Organização Mundial de Saúde (OMS), pelo risco acrescido de incapacidade, doença física e mental e desigualdade social ao longo da vida, tratando-se portanto de um problema multidimensional, que exige respostas do ponto de vista jurídico, social e de saúde publica.
Entre as sequelas associadas à exposição ao abuso e maltrato de infância são referidas perturbaçōes de saúde mental, nomeadamente a perturbação de stress pós-traumático e outros distúrbios de humor e ansiedade, mas também uma exposição a subsequentes situaçōes potencialmente traumáticas, tais como acidentes ou comportamentos sexuais de risco. Tem sido ainda investigada a sua possível transmissão entre geraçōes.
Importa, no entanto, salientar que ser exposto não equivale a ser portador de repercussōes negativas. Muitas são as situaçōes em que as vitimas de abuso e maltrato conseguem desenvolver estratégias funcionais de lidar com um passado menos favorável, e até torna-lo num fator de resistência acrescida à adversidade atual.
As açōes de prevenção durante a infância têm vindo a generalizar-se, mas o maltrato continua a ocorrer, e surge por vezes sob novas formas, nomeadamente em contexto digital. De um modo geral, o secretismo e a esfera privada em que ocorre, e a incapacidade de reconhecimento do abuso por parte das crianças e adolescentes, torna difícil a sua identificação atempada.
A comunidade em geral tem vindo a tonar-se mais consciente desta realidade através da mediatização de vários casos, como o envolvimento de membros da Igreja Católica em situaçōes de abuso sexual. Vale a pena refletirmos se esta discussão publica beneficia de algum modo as vítimas de maltrato, em que medida poderão ser aliviadas do seu sofrimento, e reforçar o acesso a cuidados de saúde à população afetada.
Saliente-se que, apesar da cobertura mediática se focar em casos aparentemente mais graves, que envolvem abuso físico e /ou sexual, a literatura científica indica-nos que outras formas de abuso, como o abuso emocional ou negligência, poderão ser também nocivos.
As estruturas de saúde deverão estar equipadas para compreender e responder de forma eficaz aos problemas associados ao maltrato ao longo da vida, não só pela ação direta em casos de doença, mas na identificação e intervenção em padrōes de resposta comuns a vários diagnósticos de doença mental, como problemas de funcionamento social e de regulação emocional.
Para quem queira aprofundar o tema: "Mitigar - Consequences of child maltreatment in adults in Portugal and public health actions".
Psicóloga clínica, Investigadora Observatório do Trauma/CES, Membro do Comité Científico da Conferência ESTSS Belfast 2023