Preâmbulo
Este programa transdisciplinar inclui as áreas de Estudos Anglo-Americanos (Literatura Contemporânea de Língua Inglesa: vanguardas, literatura do exílio e da emigração, enquadrando questões como o pós-colonialismo e o feminismo), de Filosofia (a Filosofia Contemporânea, centrada na Desconstrução) e de Sociologia (a Sociologia da Cultura e da Ciência, no contexto da Globalização).
Considerando que, no âmbito dos Programas de Licenciatura e Mestrado já existentes na Universidade de Coimbra, se realizaram protocolos inter-faculdades, os quais facilmente poderão adaptar-se ao caso deste Doutoramento, este programa visa, a seu exemplo, a possibilidade de conceder um grau de doutoramento através da produção de uma dissertação que atravesse as Áreas de Especialidade de Letras (Estudos Anglo-Americanos e Filosofia), ou uma das áreas de Letras e a Sociologia — sempre em sistema de co-orientação.
Os seminários poderão ser modulados, de forma a facilitar a articulação transversal entre programas (oferecendo o mesmo seminário a mais do que um programa), tal acontece já com os dois seminários, aqui apresentados, da área da Sociologia, que simultaneamente são oferecidos noutros programas da Faculdade de Economia e do Centro de Estudos Sociais — Laboratório Associado, as duas instituições com que a Faculdade de Letras estabeleceu um protocolo.
O Programa será aberto a candidatura de dois em dois anos
Objectivos
Este programa dirige-se a titulares de cursos superiores (licenciaturas ou mestrados) interessados em aprofundar o conhecimento científico das linguagens e das identidades em sociedades contemporâneas, em domínios que passam pela questionação da natureza dos vários modelos de linguagem do conhecimento e suas hierarquias, pelas relações transculturais (desconstruindo conceitos como centro e margem, por exemplo), pela (des)construção das subjectividades (literárias, éticas, sociais e políticas) — enfim, pela natureza eminentemente política e histórica de toda a linguagem que nos permite veicular e construir todas as visões do mundo e de nós próprios.
O Programa terá como tema Linguagens, Identidades e Mundialização. Procurará estimular o desenvolvimento de instrumentos teóricos e metodológicos e de conhecimentos substantivos capazes de responder aos novos desafios colocados às ciências humanas e sociais pela crescente interdependência das relações transculturais e intercientíficas que se prendem com a mobilidade de ideias e símbolos e com a emergência de novos problemas e novas formas de cidadania no mundo contemporâneo.
Justificação
O necessário e urgente repensar da Universidade e, nela, da própria Faculdade de Letras, a fim de saberem não faltar à tarefa e à missão que delas mesmas se espera, passa também pela inevitável e urgente criação de Cursos que cultivem a transversalidade dos saberes. A transversalidade, mais do que a inter-disciplinaridade, porque ─ e é já o caso concreto deste curso ─ é também a ideia de identidade disciplinar e/ou inter-disciplinar que importa tentar repensar a partir do modo, singular ele também, como pensamos a transversalidade, a qual, criando embora novas e especializadas competências em termos de saídas profissionais, não pode ser apenas entendida como uma resposta simplista às solicitações do «espírito dos tempos». Afectando, em nosso entender, esta transversalidade a suposta identidade disciplinar — que desconstrói na sua suposta bem delimitada identidade — estará em questão saber como pensar uma certa intersecção dos «géneros» dos diversos discursos e saberes sem, no entanto e paradoxalmente, deixar de enfaticamente sublinhar a singularidade de cada um.
A criação deste curso de Doutoramento, no entrecruzamento da literatura, da filosofia e da sociologia, tenta corresponder a esta necessidade e a esta urgência. E isto porque temos para nós que o necessário e urgente repensar das instituições (universitárias e dos seus saberes) tem, por excelência, uma sede filosófico-literária (ou latamente humanística) que, de certo modo e a par de outras ciências sociais e humanas, a sociologia testemunha no modo da detecção, avaliação e crítica transformadora. Uma sede que, em nosso entender, originariamente e por excelência, se revela em torno da comum questão do pensar e da língua: mais precisamente, em torno da questão do pensar (distinto do filosofar) na inevitabilidade da sua relação com a língua.
Em torno desta questão ─ uma questão sem limites, mas a partir da qual se traçam todos os limites e se pensa mesmo a noção ou a ideia de limite ─ se enlaçam literatura, filosofia e sociologia antes e diferentemente de todo e qualquer estetismo ou filosofia da arte: é uma tal questão que, para além de velhos e gastos pressupostos (tão bem espelhados no arquitectural e soberanista pressuposto, privilegiadamente helénico, da «filosofia mãe de todos os saberes»), dita e atravessa como que arqui-originariamente estes discursos e estes saberes, provocando a sua singular intersecção; é uma tal questão que como que «literaturaliza» ou, e talvez melhor, ficcionaliza a filosofia (por isso, alguma dela, à ligeira, acusada de confundir o filosófico com o literário ou de, pura e simplesmente, se dissolver no dito literário) e deporta ou exila a literatura (mas também a poética e a teoria literária) dela mesma, da sua suposta essência ou identidade una, no acto pelo qual ela tenta pensar-se, reflectindo sobre a sua condição de possibilidade. Uma incondicional condição de possibilidade, um certo direito à literatura que, nesta cena teórica, em nada difere de um certo direito à invenção ou à criação, à educação, ao ensino, à cultura, à cidadania, à Justiça, à democracia e mesmo à mundialização ─ a uma outra mundialização. Uma incondicional condição de possibilidade que em nada difere, em suma, de um apelo à luz de outras Luzes por vir e de uma (outra) mundialização, ela também ainda por vir, mas que urge pensar e ir construindo: na Universidade ─ em primeiro lugar, e como um dever absoluto inerente ao próprio espírito que deve ser o da Universidade ─ e, nesta, nas Humanidades.
É pois a partir desta questão comum que logramos pensar e dar a pensar a transversalidade destes discursos e saberes: é ela que, não só os atravessa de parte a parte, como dita o tema do Curso em torno do qual, e na sua respectiva singularidade, eles marcam o seu encontro: Linguagens, Identidades e Mundialização. Um tema onde, observe-se, ecoa também tudo o que, em todos os parâmetros, géneros e estilos, faz a urgência do nosso tempo: com efeito, na sua singular originariedade, a questão da língua (a língua como questão) constitui a ineliminável fronteira e tecido de todas as fronteiras: ela talha e retalha todas as identidades – linguísticas, textuais, subjectivas, sexuais, culturais, éticas, políticas, nacionais, estato-nacionais, internacionais e mundiais. Mas nem só à acutilância, à premência e à exigência contemporâneas deste tema procura responder este Curso. Ele tem também intuitos imediatamente performativos: no seu intuito efectivamente formador, e formador no rastro luminoso de uma certa Bildung, ele visa afectar e transformar o tecido humano, sociocultural e político, sobre o qual deseja agir.
Finalmente, o horizonte filosófico que aqui se entrecruza e propõe a uma investigação e especialização não é naturalmente o de toda a filosofia mas, nela, apenas o de um dos seus registos ─ aquele que é porventura um dos registos mais singulares e difíceis da contemporaneidade filosófica para o repensar destas questões: o da desconstrução derridiana que denunciando, por um lado, a cumplicidade (a nível teórico, conceptual e metodológico-estilístico) metafísica da filosofia, da literatura e das ciências humanas e sociais, as dá de novo e diferentemente a pensar, dando no mesmo gesto a pensar e a reinventar a relação pensamento-filosofia-língua e literatura-sociedade e mundo.
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