Programa de Doutoramento "Linguagens, Identidades e Mundialização"

Faculdade de Letras, Faculdade de Economia, Centro de Estudos Sociais
Coordenadora: Graça Capinha

 
 

Seminários 

ESTUDOS ANGLO-AMERICANOS

Seminário em Poética e Americanística

“Poética e Cidadania”

Responsável: Graça Capinha

Este seminário pretende levar a cabo uma reflexão sobre o poder e a linguagem, partindo de uma metodologia que assenta na hermenêutica diatópica (Boaventura de Sousa Santos). Os seus dois objectos de estudo são a poesia L=A=N=G=U=A=G=E norte-americana e a poesia dos emigrantes portugueses nos EUA, entendidas como dois exemplos de literatura menor (Deleuze e Guattari), definida pela errância e pelo nomadismo. Estas formas literárias — no seu descentramento vanguardístico e nacional, respectivamente — produzem uma desterritorialização da palavra que se manifesta num anti-formalismo, radicalmente formalista, a questionar os centros e margens (do texto, da nação e do sujeito poético) presentes no senso-comum. Neste seminário, procurar-se-á criar um diálogo que assente na consciência da incompletude: entre culturas, entre saberes, entre discursos científicos, entre diversas manifestações de carácter simbólico (de que a poesia é apenas um exemplo), entre realidades políticas e sociais distintas.

Hoje em dia, num universo científico nunca antes tão transnacionalizado, as teorias sobre a complexidade, as fronteiras e as configurações, quer identitárias quer linguísticas, emergem de quase todas as áreas de investigação, levando-nos à observação das práticas e/ou linguagens sociais — as literárias incluídas — como sistemas de fractais, rizomas, mapas em permanente construção e desconstrução, que, à dialéctica, preferem a proliferação. É este tipo de resistência, esta luta para encontrar formas contra-hegemónicas e emancipatórias, esta luta para encontrar uma linguagem adequada, não só para reflectir, mas também para interferir no presente que encontraremos na poesia a estudar, considerando, é claro, os diferentes graus de resistência e diferenças de escala neste tipo de desafio — também na poesia da emigração.

O seminário discutirá conceitos como "disrafia" ou "disrafismo" (Bernstein), "malformação" (Perloff), "gaguejar" e/ou "coxear" (Mackey), "objectividade fantasma" (Taussig), "mono-polí-logo" (Howe), “carnavalização (Bakthin), “interrupção” (Irene Ramalho Santos), “ventriloquia” (Armantrout), “diferendo” (Lyotard), “violência da linguagem” e “nonsense” (Lecercle), “différand” (Derrida), “passagem” (Duncan) — procurando um novo senso-comum (Boaventura de Sousa Santos).

O objectivo deste seminário é entender um projecto emancipatório que, sendo poético, é radicalmente político e cosmopolita na sua recusa do "lirismo ideológico” (Hejinian), na sua recusa das hierarquias de poder no discurso que nos fala, na sua opção por uma "literatura menor" como exercício de cidadania. Num mundo em que cada vez mais se torna claro que a crise é, não uma fase, mas uma função do processo, talvez a consciência do poético tenha mesmo que acompanhar o conhecimento descentrado de si e do mundo. A importância desta poesia reside na forma como constrói e guarda a história das suas comunidades, assim claramente recolocando o discurso poético e a sua relevância social no âmago da sua origem bárdica. Simultaneamente, estas vozes oferecem-nos, na materialidade do seu trabalho, um microcosmos onde podemos observar, para tentar compreender, a nossa realidade de múltiplos poderes e múltiplas identidades em conflito — uma multiplicidade e um conflito inerentes à própria linguagem e uma tentativa de compreensão imprescindível a uma cidadania activa.


Seminário em Literatura de Língua Inglesa  

“Autobiografias, Exílios e Emigração”

Responsável: Isabel Pedro dos Santos

I am what I am

A child of the Americas.

A light-skinned mestiza of the Caribbean.

A child of many diaspora, born into this Continent at a crossroads.

I am Puerto Rican. I am U.S. American.

I am New York Manhattan and the Bronx.

A mountain-born, country-bred, home-grown jibara child,

Up from the shelt, a California Puerto Rican Jew.

A product of New York ghettos I have never known.

I am an immigrant

And the daughter and granddaughter of immigrants.

We didn’t know our forbears’ names with a certainty.

They aren’t written anywhere.

First names only, or hija, negra, ne, honey, sugar, dear.

- Rosario Morales & Aurora Morales, Getting Home Alive

Como discurso criticamente situado numa área de debate entre o que é e o que não é “literário”, entre um desejo de impossível factualidade na memória e na escrita do sujeito e o assumir criativo da ficção como linguagem do eu-enquanto-outro, a autobiografia problematiza as delimitações tradicionais da oposição ficcional/não-ficcional e inscreve muitas das questões que se centram em conceitos básicos da linguagem e do discurso, da identidade, da subjectividade, do corpo e da sexualidade, das relações de poder, da ciência, da história.

Este seminário proporá, numa etapa introdutória, a apreciação e discussão de algumas tradições e convenções fundamentais da escrita de auto-representação e do respectivo discurso teórico e crítico, identificando os modelos de subjectividade, de texto e de relação com a linguagem e com o “real” historicamente acolhidos como “propriamente autobiográficos”.

Será assim identificado um modelo autobiográfico “masculino”, unitário e hegemónico, e estudada a forma como a produção crítica elege os modelos de identidade e canoniza as obras paradigmáticas e como a teoria tradicional da autobiografia constitui os seus parâmetros e regula, por inclusão/exclusão, a produção do género.

Verificaremos como a escrita autobiográfica de mulheres é historicamente marginalizada ou excluída da tradição literária e como se inicia e desenvolve, sobretudo a partir das abordagens feministas e desconstrucionistas, a recente atenção a essa outra produção que, transgredindo o silêncio que compete ao “feminino”, de uma forma geral explora ou transgride também a fronteira tradicional facto/ficção e integra a alteridade como elemento da subjectividade.

A nova configuração da subjectividade que surge com a “ruptura modernista”, em que os pressupostos ontológicos da identidade subjectiva transcendente e a confiança na referencialidade da linguagem e nos princípios unificadores da criação artística dão lugar à dramatização textual do “eu dividido” (como veremos com Gertrude Stein: “You are of course never yourself”) será identificada com uma tradição de escrita de auto-representação de mulheres que – mesmo atravessando diferentes contingências históricas e diferentes lógicas representacionais – evidencia as contradições inerentes à concepção do “eu” como agência una e autónoma produtora do seu próprio sentido, prefigurando as formas autobiográficas que o modernismo – e o pós-modernismo ­­­- opõe às representações realistas da subjectividade.

É nesse contexto que o seminário proporá a leitura de algumas obras autobiográficas pós-modernas e pós-coloniais escritas por mulheres como formas narrativas contra-hegemónicas num contexto contemporâneo de diáspora, emigração, exílio e deslocação (neste contexto, incluir-se-á também, por exemplo, a produção autobiográfica lésbica). Susanna Egan afirma serem os sujeitos “diaspóricos” “the quintessential autobiographers of the late 20th century”. Posicionada “entre culturas”, a voz autorepresentacional das últimas décadas do século XX emerge de forma híbrida a partir da interacção de pessoas, espaços, culturas, tradições e géneros literários, assumindo-se não-raro como elemento de (re)localização e resistência que, fazendo-se ouvir a partir das margens, desloca a centralidade de uma (ou de qualquer) visão hegemónica do mundo e da linguagem.


FILOSOFIA  

Seminários de Filosofia  

- Língua, Literatura e Democracia: a partir do Pensamento de Jacques Derrida (I e II)

Hospitalidade, Justiça e altermundialização: a partir do Pensamento de Jacques Derrida

Responsável: Maria Fernanda Bernardo (FLUC/IEF)

O horizonte teórico deste Seminário será a desconstrução – o pensamento e a obra de Jacques Derrida a cena da sua inspiração, estudo e meditação.

Os motivos da amizade, da hospitalidade, do segredo e da justiça serão os fios condutores para, num primeiro momento, aproximar a singularidade deste pensamento na sua relação com outros registos do discurso e dos saberes, nomeadamente com a filosofia e a literatura, e para, num segundo momento, tentar repensar um vasto conjunto de problemas que fazem a urgência incandescente e incondicionalmente apelativa do nosso «hoje» sísmico: a justiça, a democracia, a Europa e a dita «mundialização».

I. Pensar o «Horizonte» Teórico: a Desconstrução Derridiana

1. A aproximação ao traçado da singularidade da desconstrução, enquanto movimento de pensamento da contemporaneidade ligado ao nome de Jacques Derrida, far-se-á pela via de uma meditação da relação existente entre pensamento-filosofia-literatura. Uma aproximação que se fará a partir da cena de uma perguntabilidade que envolve questões tais como:

- O que é pensar? O que apela ou dá a pensar? Qual a relação do pensar e do pensamento com o apeloa pensar e com a questão? com a privilegiada figura da questão - «o que é? (ti ésti)» - e portanto com a crítica e a desconstrução? O que é a crítica e o que é a desconstrução? E porque é que, e em que termos, é que a desconstrução é também uma desconstrução da instância crítica (krinein)? E como encadear a questão do apelo e da questão com a da resposta e a da responsabilidade? E destas com a «identidade»? E como é que o que apela a pensar, e pelo qual a desconstrução se define ou com o qual ela se confunde, é também o apelo incondicional ou hiperbólico para questionar a cultura e o conceito tradicional, autonómico e onto-gnosiológico, da responsabilidade?

E como é que este apelo, singularmente prévio e incondicional, traça a matinalidade ou a véspera vigilante do pensamento? E como redige um tal apelo a singular relação do pensamento/desconstrução com a literatura [a ficção, o poema, o virtual, …] e a filosofia? E qual a responsabilidade de um tal apelo prévio e da resposta a um tal apelo prévio, quer na travessia quer na porosidade das «fronteiras» e, portanto, dos «géneros» destes discursos e saberes [pensamento-literatura/filosofia] e do «género» em geral?

E como nos dá um talapelo a pensar diferentemente a «língua» [«mais de uma»], a «língua» dita própria ou materna e nacional, na sua relação com a escrita? Mais precisamente, com (ou como) a arqui-escrita? E como é que, na sua matinalidade, a incondicionalidade de um tal apelo, redigindo o passo para além [Levinas-Blanchot-Derrida] da onto-fenomenalidade em geral [na figura do «mundo», da cultura, do político (polis), do cosmopolítico, do direito, do socius, da comunidade e/ou da fraternidade], dita o «direito» à mais absoluta das vigilâncias críticas ou das resistências? E como é que uma tal resistência, difícil e quase-impossível idioma da desconstrução, constitui a «origem», o espírito e o porvir monstruoso [e monstruoso porque, na sua iminência, o porvir só consente o perfil mais do que fugaz da monstruosidade] da democracia porvir? E como é uma tal resistência o rosto sem rosto da justiça, da democracia por vir, da «amância», da hospitalidade e do dom, algumas das figuras do impossível ou da incondicionalidade inerentes à desconstrução? Porque «é», em suma, a desconstrução a justiça? a democracia e a luz das luzes de um «mundo» por vir? «Não há desconstrução sem democracia – não há democracia sem desconstrução» (cf. J.Derrida): que significará então a assaz generalizada resistência [da filosofia mas não só!] à desconstrução como movimento de pensamento?...

- E quanto à literatura? Será ela, como a desconstrução, e porquê e em que termos, na cena da mundialidade geo-política, o intolerável à intolerância dos sistemas teológico-políticos? Qual é também então a relação da literatura, de uma certa literatura com o segredo, o perdão, o luto, a liberdade, a resistência e a democracia por vir? …

II. Pensar a partir do «horizonte» teórico a justiça, a democracia e a «mundialização»

2. O segundo e central momento deste Seminário ocupar-se-á em mostrar como é que os motivos da Amizade «phileîn-philía», subtraída ao seu tradicional falogocentrismo como fratrocentrismo, [bíblico-helénico-europeu-mundial], do segredo, da justiça e da hospitalidade, subtraídos ao seu tradicional registo onto-teo-lógico-político, e no seu entre-cruzamento, constituiem uma injunção para (re)pensar:

2.1. o político para além da sua tradicional e dominante versão androcentrada (e) onto-teo-lógica

2.1.1. e, portanto, também uma injunção para repensar o cosmopolitismo, [pauliano, grego, Iluminista e moderno], firmado como este é ainda, tal como o sujeito, o homem, o intelectual-escritor-pensador cidadão ou cidadão-do-mundo, no registo onto-fenomeno-lógico do político e, ipso facto, na soberania de tipo estato-nacional;

2.1.2 e, portanto, também uma injunção para pensar uma outra internacionalidade, uma internacionalidadedemocrática pensada para além da sua pertença à cidadania de um Estado-nação sem, por isso, de todo abolir a referência à cidadania [cidadania nacional, cosmopolítica e meta-cidadania]. Uma internacionalidade democrática ou solidária que não procura mais garantias no estado actual do Direito internacional e das instituições que hoje o reflectem, mas antes na fina e, por essência, infinita escuta de uma injunção a uma hospitalidade incondicional, a qual, inseparável de um certo pensamento da justiça ou como justiça, não só concentra hoje em si as urgências mais concretas e mais adequadas para articular um certo ético com o político, como permite ainda meditar o desejável sentido de um conjunto de palavras ou de noções hoje em dia incontornáveis, tais como: hospitalidade, cultura, cidadania, estrangeiro, exilado, asilado, deslocado, refugiado, imigrado, assimilado, guerra, paz, terrorismo, crime [crime contra a humanidade, crime político, crime de guerra e de agressão], …;

2.1.3. e, portanto, também uma injunção para re-pensar a democracia que, articulada à própria justiça, requer uma dilucidação das relações da justiça, do direito e da força, as quais permitem também um repensar das instâncias internacionais, governamentais ou não, que, ainda que instituídas e animadas por um certo espírito da Declaração Universal dos Direitos Humanos, se encontram também ainda dominados pela «razão do mais forte» e animadas e estruturadas por uma axiomática metafísica [marca da sua origem europeia ou greco-romana-abraâmica];

2.2. Um repensar da Europa para além e diferentemente do eurocentrismo ou do anti-eurocentrismo, para além também e diferentemente de uma Europa economicista ou estritamente política;

2.3. Um repensar do fenómeno da «mundialização» a partir de um perscrutar da história filosófica, teológica e política do conceito de «mundo»: não sendo ele o globo, o universo ou o cosmos, «o que é o mundo»? E a «mundialização do mundo»? E o que acontece hoje ao trabalho na cena da «mundialização»? E qual o papel da Universidade, de uma certa Universidade, da educação e dos media nesta cena da «mundialização»? E porque dirão uns «mundialização» e outros «globalização»? Traduzir-se-á a dita «mundialização» na «globalização»? E que papel e que conceito é o da tradução em tempos de «mundialização»? E como salvaguardar, na cena de uma tal «mundialização», os idiomas nacionais sem qualquer cedência, nem ao fantasma do nacionalismo, na figura de uma metafísica da língua, própria ou materna, nem ao de um esperanto universal? E porque será a dita «mundialização» uma «humanização», uma «europeização» e uma «mundialatinização»? E porque se tem a dita «mundialização» revelado o teatro universal da confissão, do arrependimento e do pedido de perdão? E o que é o perdão»? E o que apela ao perdão? E quem, quem apela ao perdão? E quem perdoa quem ou o quê a quem? E o que distingue o perdão do pedido de desculpa, da amnistia e da prescrição?  


SOCIOLOGIA

Seminários de Sociologia

“Cultura, Ciência, e Globalização”

Responsável: João Arriscado Nunes

Na actual fase de transição do sistema mundial, as formas de conhecimento que herdámos da modernidade e que foram construídas a partir da experiência do Ocidente e dos países centrais aparecem como cada vez menos adequadas à exploração e compreensão das transformações do mundo, da diversidade e da multiplicidade de experiências de vida da esmagadora maioria da população mundial e das suas aspirações de justiça social, ambiental e cognitiva. Conceitos como cultura, ciência ou conhecimento são submetidos, crescentemente, à prova dessa diversidade e multiplicidade. Neste seminário, serão interrogados criticamente e “despensados” esses conceitos, e exploradas algumas das experiências que procuram forjar recursos alternativos para a compreensão e promoção de formas alternativas, contra-hegemónicas e solidárias de globalização. Os temas tratados incluem a análise crítica de conceitos como “cultura”, “natureza”, “ciência”, “conhecimento”, “ambiente”, “desenvolvimento sustentável”, identidade e biodiversidade humanas, cidadania científica, democracia técnica e participação, bem como a exploração de algumas manifestações exemplares de construção participativa de novas configurações de conhecimentos. Serão explorados os seguintes temas:

1- Conhecimento(s) e cultura(s) num mundo “sem garantias”.

2- Cultura, ciência e conhecimento(s).

3- Objectos “transgressivos”: o ambiente.

4- O governo da vida: as novas formas de biopoder e de biopolítica.

5- A reinvenção da vida e as novas formas de biopoder e de biopolítica.

6- Do conhecimento prudente à acção com medida, da “ciência sustentável” à justiça cognitiva.


“Ciência, Tecnologia e Conhecimento em Sociedade”

Responsável: João Arriscado Nunes

Este seminário terá como objecto as múltiplas articulações entre a ciência, a tecnologia e a sociedade e os processos através dos quais elas se definem mutuamente. A partir de interrogações formuladas no diálogo entre os estudos sociais da ciência e da tecnologia e os estudos culturais, os estudos feministas e os estudos pós-coloniais, serão explorados, nomeadamente, os seguintes temas:

1 - A produção da ciência e da tecnologia como práticas situadas de construção heterogénea

2 - As materialidades da ciência e da tecnologia: inscrições, dispositivos e objectos

3 - Retórica, argumentação e controvérsia

4 - Do "olhar de Deus" à objectividade forte: as críticas feminista e pós-colonial da ciência e da tecnologia

5 - A "ciência cidadã" e as configurações emergentes de saberes/poderes

 
 
 
 
 
Seminários
 
  Centro de Excelência - Processo de Avaliação de Unidades de Investigação do Ministério da Ciência e da Tecnologia, 2005
  CES Centro de Estudos Sociais