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Rendimento mínimo de emergência
Nuno Serra

A necessidade de proteger no imediato os rendimentos, a economia e o emprego, perante o surgimento abrupto da pandemia de COVID-19 (e a ameaça da sua rápida difusão), centrou-se sobretudo no acesso ao lay-off para os trabalhadores e no apoio às empresas, sendo apenas mais tarde adotadas medidas de apoio ao trabalho independente e de reforço dos mecanismos existentes de proteção social.

Contudo, esta abordagem, focada essencialmente na oferta e nas dimensões formais do mercado de trabalho, não só não evitou o surgimento de despedimentos em muitas empresas (incluindo empresas que beneficiaram de apoios públicos), como deixou a descoberto uma parte muito significativa de situações de emprego mais atípicas e precárias, bem como muitas das dimensões mais informais da nossa economia.

É sabido que uma resposta mais abrangente, mais simples e mais ágil se iria deparar, desde logo, com o obstáculo dos compromissos europeus, avolumado pela incerteza e morosidade, mesmo que relativa, em assegurar a necessária solidariedade da União Europeia aos diferentes países. E é igualmente certo que uma abordagem deste tipo, mais extensiva e automática, de apoio a todas as situações de carência, obrigaria a criar novos mecanismos de resposta, apesar do benefício potencial de evitar a desmultiplicação setorial de medidas.

Existe hoje uma noção clara de que o futuro comporta, com elevada probabilidade, o risco de repetição de crises pandémicas como a que estamos a atravessar ou situações de calamidade com impactos idênticos na economia e na sociedade (associadas, desde logo, a fenómenos relacionados com as alterações climáticas, mas não só).

Esta circunstância deveria, por conseguinte, levar a considerar a necessidade de instituir uma nova resposta, mais exaustiva, simples e ágil, para crises desta natureza. Isto é, para situações que comportam um impacto súbito para a economia, o emprego e os rendimentos.

A criação de um apoio para situações de emergência, capaz de assegurar o bem-estar de todos os indivíduos e famílias e de atenuar – ao proteger a capacidade de consumo – o impacto das crises nas diferentes atividades económicas (ou pelo menos em parte delas), poderia ser essa nova resposta. Ou seja, uma medida especialmente dirigida para as situações de maior fragilidade e desproteção, que garantisse o acesso temporário a valores mínimos de rendimento.

Sublinhe-se que esta medida, que poderia assumir a designação de Rendimento Mínimo de Emergência (RME), não pode nem deve ser confundida com as propostas de implementação de um Rendimento Básico Incondicional (RBI), nem com o atual Rendimento Social de Inserção (RSI). No primeiro caso, pelo facto de o Rendimento Mínimo de Emergência ser temporário e não universal (ao contrário do RBI) e, no segundo caso, por não pressupor a condicionalidade subjacente aos contratos de inserção (que caraterizam o RSI).



Como citar:
Serra, Nuno (2020), "Rendimento mínimo de emergência", Palavras para lá da pandemia: cem lados de uma crise. Consultado a 21.11.2024, em https://ces.uc.pt/publicacoes/palavras-pandemia/?lang=1&id=30405. ISBN: 978-989-8847-24-9