O agravamento das vulnerabilidades a que estão sujeitos alguns grupos sociais e comunidades na sequência da pandemia global provocada pela COVID-19 instiga-nos a uma reflexão crítica e comprometida sobre a força do impacto desta crise na vida das pessoas para as quais a pandemia e a fragilidade – ou mesmo a ausência – de medidas tomadas pelo Estado significou o agravamento do estado de exceção em que vivem permanentemente. A crise sanitária deu visibilidade à fragilidade estrutural dos direitos fundamentais das pessoas vulneráveis ou em situação de risco, como os idosos, as mulheres, as crianças, as pessoas com deficiência, os trabalhadores precários e informais, as pessoas de etnia cigana e outras minorias étnicas, os reclusos, os sem-abrigo, os migrantes e os refugiados. Mas, essa visibilidade não foi suficiente para o desenvolvimento de medidas de discriminação positiva. Pelo contrário, aqueles grupos não integram a linha da frente de qualquer pacote ou programa abrangente, o que reflete a sua exclusão abissal e precariza ainda mais as suas vidas. À vulnerabilidade das pessoas, acrescem a instabilidade e a incerteza das organizações sociais de apoio, que se confrontam com carências estruturais, algumas ainda decorrentes de medidas austeritárias na sequência da última crise económico-financeira, que as incapacitam para uma resposta adequada às emergências sociais com que se confrontam.
O atual quadro de exceção em que vivemos mostra a insuficiência e a fragmentação das respostas sociais às vulnerabilidades, clamando por uma mobilização crítica e propositiva das sociedades e dos Estados. É fundamental politizar as vulnerabilidades sociais e colocá-las na agenda política e no debate público. As políticas públicas devem combinar estratégias nacionais com medidas fortes a nível local que, partindo de um conhecimento aprofundado da realidade, procurem dar respostas estruturadas que atuem de forma integrada, potenciando as sinergias da rede institucional. Perante a urgência de uma viragem ética no sentido de uma sociedade mais coesa com os direitos fundamentais e de um Estado de direito responsivo às vulnerabilidades, a alternativa requer a imaginação de políticas públicas comprometidas com condições mais justas, igualitárias e inclusivas em três dimensões principais: 1) a promoção do trabalho digno como forma de combater a proliferação das precariedades e a crescente restrição de direitos laborais e de proteção social, que atinge de forma particular os jovens e os trabalhadores menos qualificados; 2) o desenvolvimento de uma política de educação com medidas robustas estrategicamente orientadas para a promoção efetiva da igualdade de acesso à educação por todas as crianças e jovens; 3) o reforço da rede de apoio às pessoas mais vulneráveis, como os idosos, as pessoas com deficiência, as pessoas de minorias étnicas, os sem-abrigo, os migrantes e os refugiados, com o duplo objetivo de fortalecer as sinergias dos serviços públicos e de organizações da comunidade e desenvolver respostas integradas e ativamente promotoras de mudança. A concretização dessas políticas convoca a sociedade e as instituições do Estado, incluindo os tribunais, a compreender e assumir proativamente o seu papel na efetivação dos direitos fundamentais.
Como citar: Henriques, Marina; Gomes, Conceição (2020), "Vulnerabilidades sociais e direitos", Palavras para lá da pandemia: cem lados de uma crise. Consultado a 21.11.2024, em https://ces.uc.pt/publicacoes/palavras-pandemia/?lang=1&id=30401. ISBN: 978-989-8847-24-9