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Rotinas
Madalena Alarcão, Luciana Sotero

Como me organizo quando não posso usar as rotinas habituais? Apesar de se ter anunciado, a COVID-19 apanhou-nos de surpresa, seja porque não acreditávamos que chegasse a este canto tão distante do seu foco original, seja porque não tínhamos compreendido bem o seu potencial contagioso ou porque não imaginávamos o quanto faria mudar a nossa rotina.

Em quase dois meses de confinamento, uma das maiores queixas e dificuldades sentidas pelos que passaram a estar em teletrabalho e em tele-estudo prende-se com a perda das rotinas pré-confinamento e com a dificuldade de organização de um espaço e de um tempo onde quase não há quebras entre trabalho, lazer e vida familiar.

É importante criar novas rotinas ou o melhor é esperar que a crise passe para voltarmos às rotinas habituais e recuperarmos o controlo sobre esta desorganização que a COVID-19 instalou?

Criar novas rotinas é necessário e organizador! Com muita frequência, olhamos para a rotina como algo desinteressante, que nos aprisiona, que cerceia a nossa criatividade, que nos cansa com a constante repetição que encerra. Sonhamos com a liberdade que associamos à quebra da rotina sem valorizarmos o seu poder organizador.

As rotinas, ao organizarem o nosso espaço e o nosso tempo, poupam-nos toda a energia, e é muita, associada à tomada de decisão bem como às indecisões e explicações que a acompanham. É óbvio que o nosso quotidiano não pode ser apenas uma sucessão de rotinas. A sua mais-valia é, por um lado, a energia, o tempo e a disponibilidade que nos deixam para atividades cognitiva e/ou emocionalmente exigentes, desafiantes, desejavelmente compensadoras, e, por outro, os limites que colocam e a diferenciação que instituem entre as diferentes atividades e/ou papéis que desempenhamos.

Confinado num mesmo espaço, para muitos bastante exíguo, onde 24 horas por dia se estuda/trabalha, come, descansa e convive, o Eu sente-se sufocar, dominado pelo dever de atender às novas solicitações e sem a sensação de “respiro” que a mudança de espaços e de interações permite. Nem todos se sentirão assim; mas são muitos os que se queixam exatamente disto.

É, então, necessário criar novas rotinas não só para separar, num mesmo espaço, as diferentes atividades e os diferentes papéis como para criar tempos dedicados a cada um deles e ao próprio Eu. Mesmo que o tempo pareça agora dominado pelo teletrabalho ou pelo tele-estudo, bem como pela intensa presença de interações familiares, é muito importante criar rotinas de lazer, de atividade física, de pausa.

Um dos aspetos mais importantes na gestão das rotinas é a nossa capacidade de transformá-las quando sentimos que não respondem às nossas necessidades. É deste poder de autodeterminação da nossa própria vida, mau grado todos os constrangimentos que possam surgir, que não devemos nem podemos abdicar.

Qualquer que seja a crise, devemos encará-la como uma oportunidade de mudança. O passado nunca regressa igual e, por isso, esperar que a crise passe para regressar às rotinas habituais é completamente desorganizador.



Como citar:
Alarcão, Madalena; Sotero, Luciana (2020), "Rotinas", Palavras para lá da pandemia: cem lados de uma crise. Consultado a 21.11.2024, em https://ces.uc.pt/publicacoes/palavras-pandemia/?lang=1&id=30375. ISBN: 978-989-8847-24-9