A noção de populismo encerra um vasto leque de fenómenos da cena política internacional, cujas origens remetem para finais do século XIX nos Estados Unidos da América e na Rússia. Pode distinguir-se entre populismo “de esquerda” e “de direita”: na formulação de John B. Judis, o primeiro é “diádico”, isto é, vertical e binário, mobiliza o povo (os estratos baixos e intermédios da sociedade) contra o establishment e a elite; enquanto o segundo é “triádico”, ou seja, olha para cima mas também para baixo, confronta a elite, acusando-a de privilegiar a defesa de um grupo particular, uma minoria étnica, os imigrantes, etc.
O populismo centra-se sobretudo na figura de um líder carismático, mas mais recentemente a relevância das redes sociais digitais na esfera pública revestiu a noção de novos contornos. Na era das fake news, o uso massivo desses meios – geridos por exércitos de profissionais e hackers – ajudou a promover políticas que erigiram Donald Trump e Jair Bolsonaro em ícones do populismo de direita, mas o tema é mais complexo. Cas Mudde concebe o populismo fundado no pressuposto de que a sociedade se divide em dois campos, opondo os de “baixo” contra os de “cima”, o povo contra a elite, enquanto Chantal Mouffe se apoia na conceção de um “pluralismo agónico” e na tendência para o radicalismo de extrema-direita. Porém, o populismo não é uma ideologia com um conteúdo programático específico. É uma maneira de fazer política, que pode adotar diferentes formas, em torno de três problemas essenciais: a corrupção, a segurança e a ameaça das minorias. No contexto europeu, o terrorismo e o sentimento anti-islâmico, os refugiados, a emigração, e a crise económica favoreceram o seu crescimento; e, em Portugal, a crise, o espectro da corrupção e a segregação da comunidade cigana são alguns dos motivos do crescimento do partido Chega, que prossegue nessa linha.
Se o populismo representa um perigo para a democracia, a própria democracia terá de corrigir algumas perversões e atualizar referências ideológicas nas suas diferentes correntes políticas. Os diferentes campos ideológicos cederam perante o “pragmatismo”, dando prioridade aos resultados eleitorais imediatos. Na Europa, a alternativa ao populismo passará pela reinvenção do projeto da União Europeia e pela sua capacidade de recriar uma nova economia política. Para isso, devemos recuperar propostas conhecidas, como a complementaridade entre a democracia representativa e participativa. Futuros projetos emancipatórios, no cenário de pós-pandemia, exigem uma ação política coordenada entre as instituições e a sociedade civil, promovendo projetos socioeconómicos sustentáveis que envolvam as comunidades e as forças locais, imprimindo maior transparência e credibilidade ao exercício da democracia de base. Por outro lado, um maior investimento na pedagogia cívica através do sistema de ensino, baseado nos princípios republicanos de exercício da democracia, pode fortalecer os valores humanos, a solidariedade e a igualdade como antídotos para a retórica populista.
Como citar: Estanque, Elísio (2020), "Populismo e extrema-direita", Palavras para lá da pandemia: cem lados de uma crise. Consultado a 03.12.2024, em https://ces.uc.pt/publicacoes/palavras-pandemia/?lang=1&id=30371. ISBN: 978-989-8847-24-9