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Lay-off
João Ramos de Almeida

Para combater os efeitos do “fecho” da economia com a pandemia de COVID-19, o governo deitou mão a um mecanismo legal já existente de apoio a empresas em situação difícil, mas desadequado ao combate à recessão, pois corta rendimentos e não evita o desemprego: o lay-off. Desde que, no início de março de 2020, foram detetados os primeiros casos de infeção, as medidas adotadas levaram ao fecho dos principais serviços, com rápido impacto recessivo. Condicionado no leque de políticas macroeconómicas e receando – dado o exemplo de há dez anos, na crise do euro – uma escalada de gastos orçamentais sem proteção comunitária, o governo conteve as medidas contracíclicas. Criou linhas de crédito. Adaptou o regime de lay-off que corta em um terço o montante dos salários e faz o Estado pagar parte substancial dos custos salariais (concedendo às empresas uma “poupança” de 84% desses custos), e, finalmente, por pressão à esquerda, impôs às empresas aderentes a proibição de despedimento, mas apenas durante a aplicação da medida e só nos casos de despedimento coletivo ou por extinção do posto de trabalho (permitindo outras formas). A 15 de maio, havia 109 376 empresas aderentes ao lay-off (quatro quintos das quais no setor dos serviços), empregando um total de 1 315 187 trabalhadores. Mas os custos da medida – como disse o ministro das Finanças no Parlamento – ficaram aquém da provisão feita: dos 1,5 milhões de trabalhadores previstos, a medida abrangeu 62% dos trabalhadores das empresas aderentes; e, dos mil euros de salário médio previsto, os salários abrangidos ficaram abaixo disso. O lay-off pôde ter estancado a “hemorragia” do desemprego, mas o perigo não foi afastado. A medida é injusta, tem efeitos contrários aos necessários – é recessiva – e, mesmo que se prolongue para lá do desconfinamento, deixa às empresas a iniciativa de despedir se a retoma tardar, como parece ser o caso para o turismo.

O objetivo da política económica deverá ser o de manter rendimentos e evitar a subida do desemprego, combatendo a recessão. O corte salarial deu um sinal errado, ao enveredar por uma política que já deu mostras de ser desastrosa. Os apoios públicos devem, pois, garantir a totalidade dos rendimentos salariais, sem cortes e sem descapitalizar a Segurança Social. A prazo, as medidas de política económica deverão resolver a sobre-exposição da economia nacional ao setor dos serviços, nomeadamente ao turismo, que, face a um choque externo, pode abanar os alicerces da totalidade da economia. Ao contrário dos serviços, mantiveram-se ativas durante a pandemia a indústria e até a construção, aliás com suspeitas de o terem feito sem as devidas condições sanitárias. Será preciso começar a repensar um recentramento de uma nova estratégia produtiva nacional, seja introduzindo elementos de planeamento económico, seja para um novo fôlego industrial e de substituição de importações – repensando um novo papel da banca pública, com efeito de arrasto na banca privada – seja reorientando os serviços para atividades menos dependentes do turismo e de reforço dos apoios sociais.



Como citar:
Almeida, João Ramos de (2020), "Lay-off", Palavras para lá da pandemia: cem lados de uma crise. Consultado a 21.11.2024, em https://ces.uc.pt/publicacoes/palavras-pandemia/?lang=1&id=30285. ISBN: 978-989-8847-24-9