Apresentação
BASE DE DADOS
“POESIA PORTUGUESA CONTEMPORÂNEA: PLANOS EXCÊNTRICOS”
Esta base de dados surge a partir de um trabalho de investigação realizado, entre 2007 e 2010, no âmbito de um projecto colectivo e inter- transdisciplinar sobre políticas de linguagem e políticas literárias no contexto português, “Novas Poéticas de Resistência: o Século XXI em Portugal” (um projecto financiado pela Fundação para a Ciência e a Tecnologia, e desenvolvido no Centro de Estudos Sociais – Laboratório Associado, Universidade de Coimbra, que incluiu, além dos Estudos Literários, a Sociolinguística, a Sociologia e os Estudos de Tradução).
Os dois sub-projectos mais directamente ligados a esta base de dados, “Observatório da Poesia Electrónica” e “Movimentos e Revistas”, tiveram como objectivo cartografar, entre 1990 e 2010, os espaços literários alternativos em Portugal: respectivamente, a poesia produzida ou apresentada/divulgada no espaço virtual, através de blogs e sites; e a poesia produzida e apresentada/divulgada no espaço territorial fora dos grandes centros difusores da cultura e literatura portuguesas (sobretudo Lisboa, mas também Porto), em publicações periódicas, grupos de intervenção poética e editoras independentes, nas outras 16 capitais de distrito do continente.
Trata-se de uma primeira exploração do campo, que ultrapassou em muito o que esperávamos encontrar (em quantidade e qualidade), e temos a noção que o esforço de exaustividade talvez não tenha sido inteiramente atingido. A base de dados está, por isso, sempre em processo e aceita qualquer contributo acerca de possíveis ausências que os/as seus/suas utilizadores/as possam detectar.
Todo o manancial encontrado – de publicações, blogs, grupos e editoras – foi “catalogado” de acordo com uma tipologia encontrada em dois autores norte-americanos que se debruçam, há várias décadas, sobre políticas de linguagem e, sobretudo, sobre as políticas das formas poéticas contemporâneas. Ambos observam o campo literário norte-americano a partir das suas hierarquias de poder e das dinâmicas subjacentes. Claro que estas são bem diferentes das portuguesas, mas a terminologia usada foi-nos muito útil – para falar de centros e margens, territorializações e desterritorializações da linguagem dominante, senso-comum, discursividade hegemónica e, sobretudo, da necessidade de uma reinvenção emancipatória das imagens do mundo e de nós próprios/as.
AS CATEGORIAS
Assim sendo, optámos por duas categorias base: “discursiva, lírica, confessional” (“poesia da cultura oficial”) e “outra tradição. Além da “tradição oral” (3ª categoria), restou ainda a categoria “Outra” (a 4ª, quando impossível de situar nas variantes anteriores). Criaram-se, a seguir, várias categorias híbridas, no espaço entre estas quatro.
“A OUTRA TRADIÇÃO”
Passando então a explicar o que se entende pelas 2 categorias base: a crítica norte-americana Marjorie Perloff é a autora do conceito “poesia da outra tradição” para se referir, no contexto norte-americano, ao experimentalismo poético contemporâneo que, nos EUA, surge como uma tradição paralela e alternativa à da poesia mais discursiva, lírica e/ou confessional (vertente dominante que Charles Bernstein, poeta e teórico do mais reconhecido movimento de vanguarda poética norte-americano, a L=A=N=G=U=A=G=E School, referirá como a “poesia da cultura oficial”).
Ao usar a designação “outra tradição”, Marjorie Perloff não pretende transformar o experimentalismo modernista em algo de normativo ou, de alguma forma, afirmar a sua superioridade (em relação ao passado ou ao presente). Tal como ela explica, em 21st-Century Modernism. The “New” Poetics (Malden, Mass.: Blackwell Publishers, 2002), o que a perturba é a promessa – por cumprir – do que considera um certo “impulso poético revolucionário”, um impulso que parece perdido na maior parte do que hoje se entende por poesia. E cita Wittgenstein, quando este proclama: “Imaginar/inventar uma linguagem é imaginar/inventar uma forma de vida”.
Digamos que foi esse “impulso poético revolucionário”, que tem que ver com a imaginação/invenção de uma linguagem, que procurámos detectar no campo literário português fora dos grandes centros.
“DISCURSIVA, LÍRICA, CONFESSIONAL” (“POESIA DA CULTURA OFICIAL”)
A característica principal desta poesia, de acordo com Charles Bernstein, é a negação constante da sua estreita ortodoxia estilística, que se oculta sob a capa de princípios poéticos de universalidade inquestionável. Trata-se de uma poesia conservadora, ao serviço da conformidade, que celebra o individualismo – para além do que este poeta-teórico considera os limites da decência –, mas que recusa liminarmente qualquer expressão do indivíduo que seja capaz de o libertar de uma forma, já reconhecível (ou legível), desse sentido/valor “universal”. Os ataques a um pensamento crítico e as fobias relativas a qualquer grupo poético que pusesse esses “universais” em risco, encorajaram alguns e algumas poetas e teóricos/as norte-americanos/as a assumir-se declaradamente como “activistas” e “oposição” (e foi isso que levou à criação, na década de 70, nos EUA, do movimento de vanguarda L=A=N=G=U=A=G=E). Se o individualismo dominante gerou conformismo acrítico, então, defende Bernstein, talvez os grupos poéticos, as formações colectivas, possam oferecer o espaço para a diferença e o debate poéticos.
Em Portugal, em vez de ataques, teríamos que falar de silenciamentos e/ou apagamentos de todos/as estes/as poetas “activistas” (?), algo que se traduz numa condenação à não-existência no espaço público nacional. A questão é: porquê?
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