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Violência sexual contra a mulher e Perturbação de Stress Pós-Traumático
Terão os leitores e as leitoras já alguma vez pensado na quantidade de gritos e lágrimas de muitas mulheres em Portugal que ninguém vê após serem devassadas, desrespeitadas, violadas nas suas casas, nas ruas, por companheiros, amigos e desconhecidos? Segundo dados da Polícia Judiciária, foram registadas em 2024, de janeiro a setembro. 344 denúncias de violação de mulheres em Portugal (Público, 2024), e, nas 30.461 ocorrências por violência doméstica em 2023, sete em cada dez vítimas eram do sexo feminino (Observador, 2024). A violência e a agressão sexual estão entre as experiências mais stressantes da vida humana, sendo as mulheres as vítimas mais frequentes destes abusos. Esta situação é considerada um problema de saúde pública, uma violação aos diretos humanos (OMS 2021) e reconhecida como “pandemia global” (Secretário-Geral da ONU, 2018) que afeta cerca de um terço da população feminina em todo o mundo (OMS 2021). A violência contra a mulher está enraizada na desigualdade de status, refletindo a distribuição desequilibrada de poder social, político e económico entre o sexo feminino e masculino na nossa sociedade. Esta é uma das violações dos direitos humanos mais enraizada e manifesta-se na discriminação que resulta, ou pode resultar, em danos e/ou sofrimento físico, sexual, psicológico ou económico contra as mulheres (Council of Europe, 2011). Estima-se que mais de um quarto das crianças, adolescentes e adultos do sexo feminino entre os 15 e os 49 anos de idade tenha sido exposto a violência física e/ou sexual (OMS, 2021). A violência psicológica (e.g. ameaças, manipulação), física (e.g. pontapés) e sexual (e.g assédio, sexo não consensual) são as mais abordadas (HanAlmış et al., 2020). Em Portugal, a violência por parte de um parceiro íntimo é o crime mais denunciado entre as vítimas do sexo feminino (Sistema de Segurança Interna, 2021). Apesar disto, é difícil obter estatísticas exatas pois muitas vítimas não relatam o evento, nem procuram assistência médica posteriormente. A violência sexual contra mulheres foi identificada como um grande problema social e de saúde pública em todo o mundo, definida como qualquer ato sexual não consensual, que inclui comportamentos como assédio sexual, sexo obtido através de coerção ou chantagem, agressão facilitada por uso de álcool ou outras substâncias, abuso sexual baseado em imagens e com uso de força física (García-Moreno et al., 2013). A violência sexual está associada a impactos significativos, não apenas na saúde e no bem-estar da vítima, mas também nas relações sociais e na comunidade (Council of Europe, 2011). Estudos realizados mostram que a agressão sexual é uma das situações que mais induz Perturbação de Stress Pós-Traumático (PSPT) (Kessler, 2000; Ozer et al., 2003). Esta perturbação é uma forma de doença mental caraterizada por respostas anormais de medo, desamparo e horror durante o evento traumático, seguidas por meses e, às vezes, anos de sintomas que incluem reviver o trauma, evitar lembranças do trauma e a hiperexcitação, juntamente com cognição e humor negativos (American Psychiatric Association, 2013). A recuperação desta perturbação relacionada com a agressão sexual não é medida apenas pela eliminação de sintomas ou pela obtenção de resultados específicos. A cura deste trauma não significa que a vítima esqueça a experiência ou nunca mais tenha sintomas. Ao invés, a recuperação bem-sucedida é medida pelo facto de a vítima aumentar o seu envolvimento no presente, adquirir aptidões e assumir atitudes para retomar o controlo da sua vida, ressignificando os sentimentos associados à experiência, como a culpa, a vergonha e outras cognições negativas, e adquirindo a capacidade de reduzir o stress (Matsakis, 1996). É com pesar que escrevo este texto, tendo conhecimento de que este tema continua a ser tão debatido devido ao número absurdo de crimes cometidos contra as mulheres em Portugal e no resto do mundo. Nestes últimos meses, têm vindo a público múltiplas notícias relacionadas com violência sexual em vários contextos: nas redes sociais, através de influencers; no ambiente universitário, por parte de colegas e professores; por companheiros, desconhecidos, entre outros. Vivemos numa sociedade em que as mulheres, de alguma forma, já sofreram de assédio, intimidação ou mesmo abuso. Este texto é apenas mais uma tentativa de romper com o silêncio de anos de medo, de abuso, de trauma infligido. Vamos parar de ler as notícias como apenas estatísticas, mas olhar com empatia para a histórias destas mulheres! Mulheres que confiaram que podiam ir passear sozinhas, que confiaram nos amigos, nos namorados, nos maridos, nos professores e que terão para sempre um eco que vive dentro delas!
Liliana Bizarro, Estudante de Mestrado em Psicologia Psicodinâmica no Instituto Superior Miguel Torga
Referências American Psychiatric Association. (2013). Diagnostic and statistical manual of mental disorders (5th ed.). American Psychiatric Publishing. Council of Europe. (2011). Council of Europe Convention on preventing and combating violence against women and domestic violence. https://www.coe.int/en/web/conventions/full-list/-/conventions/treaty/210 García-Moreno, C., Pallitto, C., Devries, K., Stöckl, H., Watts, C., Abrahams, N., & World Health Organization. (2013). Global and regional estimates of violence against women: Prevalence and health effects of intimate partner violence and non-partner sexual violence. World Health Organization. HanAlmış, B., Gümüştaş, F., & Koyuncu Kütük, E. (2020). Effects of domestic violence against women on mental health of women and children. Psikiyatride Güncel Yaklaşımlar / Current Approaches in Psychiatry, 12, 232–242. https://doi.org/10.18863/pgy.567635 Kessler, R. C. (2000). Posttraumatic stress disorder: The burden to the individual and to society. Journal of Clinical Psychiatry, 61(5), 52–56. http://onlinelibrary.wiley.com/journal/10.1002/(ISSN)1097-4679 Matsakis, A. (1996). I can't get over it: Handbook for trauma survivors. New Harbinger Publications. Observador. (2024, December 21). Apenas 13% das denúncias de violência doméstica resultam em condenações. https://observador.pt/2024/12/21/apenas-13-das-denuncias-de-violencia-domestica-resultam-em-condenacoes/ Ozer, E. J., Best, S. R., Lipsey, T. L., & Weiss, D. S. (2003). Predictors of posttraumatic stress disorder and symptoms in adults: A meta-analysis. Psychological Bulletin, 129(1), 52–73. https://doi.org/10.1037/0033-2909.129.1.52 PÚBLICO. (2024, November 25). Judiciária registou 344 mulheres violadas entre janeiro e setembro deste ano. https://www.publico.pt/2024/11/25/sociedade/noticia/judiciaria-registou-344-mulheres-violadas-janeiro-setembro-ano-2113201 Sistema de Segurança Interna. (2021). Annual report of internal security 2020. https://www.portugal.gov.pt/downloadficheiros/ficheiro.aspx?v=%3D%3DBQAAAB%2BLCAAAAAAABAAzNDQ1NAUABR26oAUAAAA%3D UN Secretary-General. (2018, November 19). Remarks on International Day for the Elimination of Violence against Women. United Nations. https://www.un.org/sg/en/content/sg/speeches/2018-11-19/international-day-for-elimination-of-violence-againstwomen-remarks World Health Organization. (2021). Violence against women. https://www.who.int/news-room/fact-sheets/detail/violence-against-women
Como citar este texto: Bizarro, L. Violência sexual contra a mulher e Perturbação de Stress Pós-Traumático. InfoTRAUMA, 30.
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