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25-03-2024 #17

Andrew Gaines | Fire fighter | 2017 @Unsplash

Stress pós-traumático e psicoterapia dinâmica

Em 2017, ao concluir um mestrado com uma dissertação sobre trauma e psicossomática, violentos incêndios florestais se tornam a notícia mais comentada pelos meios de comunicação portugueses. As mortes de Pedrógão Grande comovem o país e o mundo e, meses depois, outros incêndios voltam a provocar destruições. Na dissertação intitulada Trauma e Psicossomática: as marcas indeléveis da guerra (Becker, 2017), é destacada a necessidade de narrar as experiências traumáticas como meio de metabolizá-las psiquicamente, sendo a abordagem psicanalítica referida como tendo as ferramentas necessárias para a compreensão e o tratamento dos sintomas somáticos e da Perturbação do Stress Pós-Traumático (PTSD). Já interessada em desenvolver um projeto de doutoramento sobre o tratamento desses sintomas, diante dos acontecimentos da época, os bombeiros são vistos como a população ideal para as investigações.

Os bombeiros são profissionais que estão continuamente expostos a situações de morte, destruição e sofrimento. A exigência de um funcionamento adequado e de equilíbrio emocional para cumprir as missões, somada à exigência subliminar de negar o sofrimento, torna o stress traumático cumulativo e progressivo. Na impossibilidade de expressar o conflito, a comunicação se dá através dos sintomas. Os profissionais que atuam em cenários de crise (policias, bombeiros, socorristas) são alvo de diversos estudos na área da saúde, sendo apontada a alta prevalência de PTSD e sintomas somáticos nessa população (Brooks et al., 2016).

Reconhecendo que a teoria psicanalítica faz parte da história e da construção do conceito de trauma psicológico e contribui para o desenvolvimento das teorias sobre os sintomas somáticos, bem como a escassez de estudos sobre os benefícios das terapias derivadas da psicanálise na remissão dos sintomas de PTSD (NICE, 2018), considera-se relevante verificar os efeitos dessa abordagem. A psicanálise revoluciona a interação entre terapeuta e paciente, pela frequência das sessões, pelos temas que aborda (experiências infantis, desejos e fantasias) e por ser uma teoria de como a mente funciona. Entretando, a frequência das sessões e o tempo do tratamento são, frequentemente, considerados obstáculos, despertando o desejo (até mesmo de Freud) por diminuir o tempo dos tratamentos. Ferenczi tem um papel fundamental para o encurtamento dos tratamentos psicanalíticos, propondo a técnica ativa, que é considerada o primeiro movimento para o desenvolvimento da Psicoterapia Dinâmica (PD).

Como um produto da psicanálise, a PD considera que elementos do inconsciente afetam pensamentos, sentimentos e comportamentos conscientes. A PD foca-se “nos conflitos emocionais causados por experiências traumáticas”, com o objetivo de proporcionar “o alívio dos sintomas e a resolução de conflitos em um tempo menor do que a psicanálise clássica” (Becker et al., 2021, p. 101).

Considerando o supramencionado, a minha tese de doutoramento faz uma leitura psicodinâmica dos sintomas somáticos e de PTSD apresentados por bombeiros. Além disso, descreve as peculiaridades dessa população, como os fatores que influenciam no desenvolvimento de psicopatologias relacionadas com o stress, e verifica a viabilidade de implementar uma intervenção psicodinâmica nos Corpos de Bombeiros de Portugal.

Os resultados das investigações apontam que o treino e a experiência são fatores de proteção contra o desenvolvimento de psicopatologias, uma vez que a falta de controlo e as incertezas quanto às tarefas aumentam a perceção de ameaça e, assim, os níveis de stress. Enquanto o tempo de exposição, a gravidade do evento e o apoio social são fatores considerados para todas as pessoas expostas a eventos potencialmente traumáticos, as condições ocupacionais e o apoio organizacional são fatores que se destacam no contexto dos bombeiros. Conhecer o perfil desses profissionais é essencial para a abordagem dos Corpos de Bombeiros, facilitando a recetividade em relação aos estudos propostos e a adesão ao tratamento. E, sendo a PD “uma técnica que considera as especificidades de cada paciente” (Becker et al., 2022, p. 7), a identificação dos fatores de risco e proteção contribui para prática clínica com essa população.

O estudo sobre os efeitos da PD no tratamento de sintomas de PTSD com um grupo de bombeiros revela a eficácia da técnica, com a redução significativa dos sintomas durante o tratamento e nas avaliações de follow-up. Os tratamentos evoluem em tempos diferentes, com oscilação dos sintomas, o que é justificado “pelo fato de que a PD é conduzida considerando a capacidade de cada paciente de processar e tolerar sentimentos, o que se reflete diretamente no tempo da terapia” (Becker et al., 2022, p. 8). Conclui-se que, sendo uma técnica que foca nos pensamentos e sentimentos associados a experiências traumáticas, profissionais que atuam em cenários de crise podem especialmente se beneficiar da PD.

O reconhecimento dos benefícios obtidos pelos bombeiros tratados através da PD – consequentemente refletindo no trabalho de toda a equipa e no interesse de outros departamentos em oferecer esta intervenção – leva a crer que é possível e necessário oferecer cuidados de saúde mental adaptados para essa população (Becker et al., 2022, p. 8).


Joana Becker (Psicóloga, Psicoterapeuta, Investigadora Observatório do Trauma)


Como citar este texto:
Becker, J. (2024, março). Stress pós-traumático e psicoterapia dinâmica. InfoTRAUMA, 17.

Becker, J. P. (2017). Do Trauma à Psicossomática: As Marcas Indeléveis da Guerra. [Unpublished master’s thesis]. Universidade de Coimbra.
Becker, J. P., Paixão, R., & Aragão Oliveira, R. (2021). Dynamic Psychotherapy: Is Time the Enemy That Proves to Be an Ally? In H. Boyd (Ed.). Psychotherapy: Perspectives, Strategies and Challenges. Nova Science Publisher, Inc.
Becker, J. P., Paixão, R., & Quartilho, M.J. (2022). Dynamic Psychotherapy as a PTSD Treatment for Firefighters: A Case Study. Healthcare, 10(3), 530.
Brooks, S. K., Dunn, R., Amlôt, R., Greenberg, N., & Rubin, J. (2016). Social and occupational factors associated with psychological distress and disorder among disaster responders: A systematic review. BMC Psychol., 4, 1–13.
National Guideline Alliance (UK). (2018). Evidence Reviews for Psychological, Psychosocial and Other Non-Pharmacological Interventions for the Treatment of PTSD in Adults: Posttraumatic Stress Disorder. National Institute for Health and Care Excellence (NICE).


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