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Imagem|website FRA
A base de dados sobre o ódio antimuçulmano da Agência dos Direitos Fundamentais da UE (FRA) – uma ferramenta pública
A Agência dos Direitos Fundamentais (FRA) da União Europeia (UE) tem vindo a monitorizar, desde 2012, as formas de racismo e discriminação contra pessoas muçulmanas em toda a UE.
A base de dados, que é disponibilizada publicamente por país, sobre os sentimentos, perceções e decisões sobre ódio antimuçulmano reúne incidentes, decisões judiciais e medidas legais nacionais e europeias, permitindo identificar padrões estruturais e tendências entre 2012 e 2024. Os resultados disponíveis evidenciam que metade dos muçulmanos na UE relata experiências de discriminação, sobretudo nos mercados de trabalho, de habitação, de educação e na vida quotidiana, confirmando que o racismo antimuçulmano é sistémico e persistente, alimentando desigualdades sociais e económicas.
A consulta da base de dados permite verificar que a discriminação se manifesta em vários níveis: no mercado de trabalho, com a exclusão de candidatos muçulmanos em processos de recrutamento; na habitação, persistem recusas baseadas em preconceitos culturais ou religiosos. O assédio e a violência verbal estão igualmente disseminados, reforçando um ambiente hostil que afeta o sentido de pertença e de segurança das comunidades muçulmanas. As mulheres muçulmanas surgem como grupo particularmente vulnerável, alvo frequente de agressões e humilhações, nomeadamente puxar-lhes o véu ou cuspir-lhes em público. Estes atos simbolizam o duplo preconceito que enfrentam, por serem mulheres e muçulmanas, e ilustram a natureza entrecruzada das opressões.
A FRA identifica que estas manifestações de ódio vão desde ataques a mesquitas, cemitérios e centros culturais até crimes de ódio graves, incluindo agressões físicas e homicídios. A categoria “discurso de ódio” também é central, abrangendo insultos e incitamentos à violência nas redes sociais, que alimentam a desumanização dos muçulmanos no espaço público.
Estas dinâmicas são interpretadas pela FRA com recurso ao conceito de racialização, à luz do qual a identidade muçulmana é convertida em marcador social e político de exclusão. O racismo antimuçulmano ultrapassa, assim, a dimensão religiosa e assume contornos estruturais e interseccionais, combinando-se com outras formas de discriminação, como o sexismo, o classismo ou a xenofobia.
Um fenómeno recente, particularmente alarmante, foi o pico de incidentes antimuçulmanos após os ataques do Hamas em outubro de 2023, quando se observou uma escalada de discursos e de crimes de ódio em vários estados-membros, com destaque para a Áustria, a Bélgica e a Bulgária. Na Áustria, por exemplo, foram registados mais de 1500 incidentes em 2023. Estes dados revelam a correlação entre crises políticas internacionais e a intensificação de sentimentos de hostilidade interna, o que evidencia como acontecimentos globais podem desencadear ondas de preconceito nas sociedades europeias. Portugal não ficou imune a estas tendências, tendo registado um crescendo de incidentes, em particular na esfera política, com o discurso promovido pelo partido xenófobo de extrema-direita Chega, em parte acolhido pelos partidos da atual coligação governamental, como é ilustrativo o recente debate sobre o uso de burka e a legislação proposta para a sua proibição no território português.
A análise da FRA sublinha, ainda, uma divergência institucional significativa entre os estados-membros, de acordo com a qual persistem diferenças assinaláveis nos quadros legais, nas práticas de registo e notificação e no grau de compromisso político. Esta fragmentação limita a comparabilidade dos dados e enfraquece a capacidade da UE de formular respostas coordenadas e eficazes. A FRA apela, por conseguinte, a uma maior harmonização legislativa, ao fortalecimento das instituições de combate à discriminação e a uma atenção renovada às vítimas.
Em suma, a discriminação antimuçulmana na Europa constitui um sistema estrutural e cumulativo de exclusão que se manifesta tanto em barreiras cotidianas quanto em episódios extremos de violência. A base de dados disponibilizada pela FRA, alimentada pelos relatórios produzidos a nível nacional e no contexto europeu, pelos membros da rede FRANET, em que o Centro de Estudos Sociais é o representante português que efetua as análises e elabora os relatórios nacionais, é um instrumento valioso para uso em diversos contextos, seja nos planos académico e pedagógico, seja para a elaboração de políticas públicas informadas e que garantam o total respeito pela Carta dos Direitos Fundamentais a que todos os estados-membros se vincularam.
Consultar em: https://fra.europa.eu/en/databases/anti-muslim-hatred/
João Paulo Dias e Carlos Nolasco - Observatório Permanente da Justiça, Centro de Estudos Sociais, Universidade de Coimbra
Como citar este texto: Dias, J.P.; Nolasco, C. A base de dados sobre o ódio antimuçulmano da Agência dos Direitos Fundamentais da UE (FRA) – uma ferramenta pública. InfoTRAUMA, 35.
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