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25-03-2025 #28

Fotografia de José Teixeira Bonito



Riscos Psicossociais na Atividade de Bombeiro


Segundo a Organização Internacional do Trabalho (2020, p. 7), “um ambiente de trabalho psicossocial pobre pode ter um impacto considerável na produtividade de trabalho, através do aumento do absentismo e do presentismo, do menor envolvimento nas tarefas e da redução do desempenho (tanto no que diz respeito à qualidade como à quantidade de trabalho)”. De acordo com esta agência multilateral da Organização das Nações Unidas, as entidades empregadoras devem fazer um levantamento de todos os perigos existentes e avaliar os riscos que lhes estão associados.

Apesar de verificarmos que existem diversas entidades que salientam a importância dos fatores psicossociais no local de trabalho, os bombeiros, devido à natureza da sua atividade, são expostos a stressores crónicos e agudos com elevada exigência emocional, nomeadamente trabalhar sob elevada pressão de tempo, uma vez que é expectável que a sua atuação seja realizada no mais curto espaço de tempo, a existência de períodos calmos e outros de grande agitação durante o mesmo turno, de turnos rotativos em período noturno e diurno, as longas jornadas de trabalho e, por fim, a falta de autonomia (OPP, 2022).

O trabalho dos bombeiros, por envolver situações de risco, em que existem vidas ameaçadas (a de outras pessoas e, não raras as vezes, a do próprio), por implicar a realização de esforços físicos, muitas vezes em temperaturas extremas, e por serem os profissionais em quem o cidadão confia para dar resposta a uma panóplia de emergências e desastres (Armstrong, Shakespeare-Finch, & Shochet, 2014; Bryant & Harvey, 1996 citados por Alvarado, 2019), é reconhecido como uma das atividades profissionais mais stressantes e, claro está, perigosas (Careercast, 2019 mencionado por Alvarado, 2019).

Becker (2023) alerta que, pelo facto de existirem profissionais que atuam em cenários de crise (e.g., polícias, bombeiros e socorristas), há diversos estudos na área da saúde que indicam uma alta prevalência de Perturbação de Stress Pós-Traumático - PTSD, depressão, ansiedade, sintomas somáticos e abuso de álcool nestes profissionais (Brooks et al., 2016 mencionados por Becker, 2023). Outros autores defendem que os bombeiros encontram-se em maior risco de desenvolver perturbações do sono, alimentares e comportamentos aditivos e dependências (e.g., tabaco, álcool, café e drogas leves) (Almeida et al., 2007; Lima et al., 2013; Marcelino, Figueiras & Claudino, 2012; Marconato & Monteiro, 2015), bem como problemas de saúde física, nomeadamente doenças cardiovasculares, respiratórias, pulmonar obstrutiva crónica, obesidade, hipercolesterolemia, glicemia elevada, hipertensão arterial, entre outras (Almeida et al., 2007; Cavagioni & Pierin, 2011; Martin et al., 2020; Pereira, Rocha & Cruz, 2021; Smith, Graham, Stewart & Mathias, 2020).

O stress relacionado com o trabalho faz-se sentir “quando as exigências colocadas pelo ambiente de trabalho excedem a capacidade dos trabalhadores para as suportarem (ou controlarem)” (EU-OSHA, 2009 citada por EU-OSHA, 2014, p. 5). O risco psicossocial pode comprometer o bem-estar psicológico ou físico do trabalhador decorrente da interação entre a conceção e gestão do trabalho, no contexto organizacional e social (Cox & Griffiths, 2005 citados por EU-OSHA, 2014).

As condições ocupacionais, suporte social e organizacional, entre outros fatores importantes, têm sido apontadas como agentes moldadores na perceção do stress, que podem levar ao surgimento de sintomas mentais e físicos (Becker, 2023). Segundo o modelo relacional para o stress nos bombeiros de Becker, Paixão e Quartilho (2020), estes fatores de risco e/ou de proteção fazem parte de um sistema dinâmico intrinsecamente depende de condições pré e pós-traumáticos.

Consequência da permanente preocupação dos elementos do Comando da Companhia de Bombeiros Sapadores do Funchal, associada à do Executivo da Câmara Municipal do Funchal e da sua Unidade de Segurança e Saúde no Trabalho, e sustentados pelo postulado na Lei n.º 102/2009 de 10 de setembro, onde, no artigo 15.º, é declarada a obrigação do empregador de proceder à aferição dos fatores psicossociais existentes, emerge uma sinergia entre três Técnicos Superiores de Psicologia, autores deste artigo, que, a par das suas tarefas e obrigações diárias, encetam uma missão para a conceção, implementação e desenvolvimento de um programa de apoio e valorização a estes nossos colegas bombeiros.

Consistindo, em agosto de 2023, em três módulos, estes procuravam: I - avaliar e intervir nos fatores de risco psicossociais, por forma a atenuar o seu impacto na sua saúde (recorrendo ao COPSOQ II, Versão Média, disponibilizado pela OPP , versão portuguesa, Silva et. al, 2006); II - criação e operacionalização de uma linha de apoio psicológico, de caráter permanente (24h/7d) que, de forma célere e concertada, procurava minimizar os efeitos psicopatológicos adversos resultantes de serviços de socorro críticos, com elevado potencial traumático; III - consultas de prevenção, de teor psicoeducativo, não obrigatórias, no contexto das tramitações de rotina da Medicina do Trabalho.

Decorrido mais de um ano e meio de operacionalização deste programa, é do entender deste grupo de trabalho que o balanço tem sido positivo. É certo que, tendo a consciência de que muito pouco poderá ser operado no tocante a exigências quantitativas, ritmo de trabalho, turnos, exigências cognitivas e emocionais, inerentes às funções de bombeiro, foi possível averiguar onde poderíamos intervir com base nos fatores de proteção e de risco psicossociais detetados e modificáveis, fruto dos resultados obtidos da aplicação e análise dos resultados do COPSOQII e enaltecidos por este resumo da nossa revisão de literatura.

Realçamos os benefícios da atividade física (Soteriades et al., 2022), hábitos de vida saudáveis (Cavagioni & Pierin, 2011), monitorização do estado físico e psicológico dos bombeiros ao longo do tempo (Marcelino et al., 2012), da entreajuda do apoio de pares/colegas (Marcelino et al., 2012; Soteriades et al., 2019), das intervenções a nível da própria organização e estrutura do trabalho (Teoh et al., 2020), inclusive na pré e pós reforma (Melo et al., 2018) e a importância de equipas de saúde multidisciplinar (Pereira et al., 2021) por forma a serem desenvolvidas estratégias unificadas para a gestão da saúde, físicas e psicológica, dos bombeiros e, consequentemente com ressonâncias nos seus serviços prestados à sociedade.



André Camacho, Eliana Lourenço e Luís Sousa, Técnicos Superiores de Psicologia da Câmara Municipal do Funchal


Referências

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Becker, J. P., Paixão, R., & Quartilho, M.J. (2020). A relational model for stress: A systematic review of the risk and protective factors for stress-related diseases in firefighters. Psych, 2(1), 74-84. https://doi.org/10.3390/psych2010008.

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Teoh, K. R. H., Lima, E., Vasconcelos, A., Nascimento, E., & Cox, T. (2020). Trauma and work factors as predictors of firefighters’ psychiatric distress. Occupational Medicine, 69, 598–603. https://doi:10.1093/occmed/kqz168.


Como citar este texto:

Camacho, A.; Lourenço, E.; Sousa, L. Riscos Psicossociais na Atividade de Bombeiro. InfoTRAUMA, 28.

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