Introdução: expressões públicas da vida
sensível
Os gregos da Antiguidade podiam perceber, com o seu olhar,
as complexidades da vida. (...) Aquilo que em tempos fora a vivência
do lugar surge agora como operação mental flutuante.
[Richard Sennett, The conscience of the eye ]
O presente livro reporta-se a uma variedade de temas que a Sociologia
tem tratado de modo desigual, por vezes, de forma assistemática
e, nalguns casos, tem mesmo ignorado. São várias as
razões para este interesse oscilante da Sociologia por alguns
dos temas aqui tratados. Umas derivam directamente da sua matriz
epistémica, outras resultam da natureza política das
opções (e das omissões) científicas
e de investigação em Sociologia. Sem nos determos
sobre este aspecto, importa realçar nesta apresentação
que os textos que agora se reunem, todos eles já editados
anteriormente (1),
têm em comum uma preocupação analítica
e interpretativa relativamente a várias expressões
públicas da vida sensível.
As identidades, os percursos e as paisagens
que aqui se discutem revelam-se outros tantos sinais de uma longa
modelação das formas de relação comprometida
dos sujeitos com a cultura contemporânea. Esta é, nos
nossos dias e de forma crescente, uma cultura expressiva, em que
abundam práticas de externalização e de objectivação
dos sentimentos, gostos e preferências dos sujeitos. É
também, cada vez mais e por isso mesmo, uma cultura de confronto
dos sujeitos uns com os outros e de todos com os ambientes físicos,
tecno-informativos e sociais que os rodeiam. Todavia, ela não
deixa de ser também uma outra cultura de internalização,
subjectiva e intimista, que potencia o confronto dos sujeitos consigo
próprios, com a sua condição ontológica,
os seus trajectos e antecedentes. A subjectividade e a auto-reflexão
são terrenos de negociação dos sujeitos com
a cultura objectiva que os cerca e interpela.
Esta cultura objectiva contemporânea é principalmente
uma cultura de definição de distâncias e de
demarcação de fronteiras. As mudanças sociais
e políticas bem como o jogo do mercado impõem uma
contínua reorientação dos sujeitos. Em consequência,
as fronteiras não são nunca estáveis e os critérios
da sua definição recompõem-se a cada instante,
fazendo ajustar permanentemente o que está para cá
e para lá dessa demarcação (2).
Este movimento da fronteira revela a porosidade de que são
feitas as identidades dos sujeitos, do mesmo modo que testemunha
a contaminação existente entre as esferas pessoais
e privadas e as esferas colectivas e públicas da vida social.
Se, no dealbar da modernidade, o flâneur retirava a
máxima gratificação pessoal do anonimato conseguido
na esfera pública da rua da cidade, hoje, a mais recôndita
expressão da individualidade - o corpo físico dos
sujeitos - é um medium da expressão e valorização
pública da identidade pessoal. A "imaginação
do centro" (3),
ou seja, o desejo de inclusão e de reconhecimento públicos
parecem pautar os modos de auto-definição dos sujeitos
e grupos sociais. Porém, numa sociedade e numa cultura que
se globalizam, esta imaginação do centro convive de
perto com a radicalização da diferença e a
construção de comunidades imaginadas. As fronteiras
não estão apenas em movimento contínuo, elas
são também objectos magmáticos, fruto de construções
simbólicas, por vezes mesmo fantasiosas e caóticas.
Ambivalência, hibridismo, representação, terceiro
espaço, poderes cósmicos e caósmicos, cosmopolitismo
estético, entre muitas outras, são algumas das categorias
que passaram a povoar o léxico político e sociológico
mais recente. O que pretendem é, a um tempo, dar conta das
novas configurações e ordenamentos sociais e problematizar
algumas das nossas mais arreigadas convicções.
Neste livro, de uma ou outra forma, são várias as
ocasiões em que se problematizam algumas dessas convicções.
Desde logo, na Parte I, a questão das identidades
e o sentido da comunidade como expressão identitária,
surge discutida na relação íntima que estabelecem
com a relação local-global e espácio-temporal.
A ideia de translocalidade permite julgar acerca dos limites e das
oscilações das fronteiras tanto espaciais (local-global)
como temporais (passado-presente). O que percorre os dois textos
que integram esta Parte I é a ideia de uma reconstituição
deliberada do sentido de identidade, a que os sujeitos se entregam
na tentativa de compaginarem a sua condição, pessoal
ou colectiva, a novos figurinos sociopolíticos e culturais.
Schumpeter surge aqui como inspirador de um acto destrutivo,
mas criador, de redefinição do sentido de pertença
e de localização das identidades. O mercado e o consumo,
tanto material como simbólico, a tecnologia da informação
e a cidade, surgem como pano de fundo desta destruição
criadora das identidades e da busca de vinculações
alternativas da consciência de si.
A questão de onde situar a consciência colectiva e
a identidade partilhada não é uma questão nova
da Sociologia. Émile Durkheim já a confrontara ao
admitir que a consciência colectiva ou existe à deriva
num vazio cultural ou, em alternativa, relaciona-se com o resto
do mundo, através de um qualquer substracto do qual fica
refém. A moderna cultura do consumo, tecnológica e
urbana pode tornar-se nos nossos dias esse substracto que confere
existência e situa a consciência colectiva. Uma tal
hipótese pode sustentar-se, por exemplo, nas análises
pós-modernizantes de Umberto Eco (1986) ou de Jean Baudrillard
(1991) acerca da hiper-realidade e do mundo Disney.
Mas a origem da discussão é normalmente situada na
reflexão dos "teóricos críticos" da Escola
de Frankfurt. A teoria das "falsas necessidades" de Herbert Marcuse
(1964), onde é notória a relação com
a questão marxiana do fetichismo da mercadoria, pode
revelar-se, neste domínio, uma primeira aproximação.
Contudo, é talvez na obra de Theodor Adorno (1991) acerca
da emergência da indústria cultural, que se encontra
uma reflexão mais aprofundada e actual. O cerne do contributo
de Adorno, como gostaria de o sintetizar aqui, reside no entendimento
que a sociedade se complexifica com o advento da capacidade de produção
de um conjunto variado de bens culturais individualizados que não
apenas forjam as mais diversas fantasias entre os seus consumidores,
mas, simultaneamente, definem ou renovam uma estrutura individualizada
de gostos, preferências e realizações pessoais.
Este processo cultural de individualização dos sujeitos
e das suas referências tem um efeito directo sobre a natureza
("autoritária") da sua personalidade, ao mesmo tempo que
modifica a sua relação com o trabalho, as relações
familiares, a comunidade e a cultura. De um modo geral, pode dizer-se
que estamos perante uma longa transição de comportamentos
e atitudes: enquanto no século XVIII dominava uma concepção
holística do carácter pessoal que se fundia com elementos
da natureza humana e social dos sujeitos, o século XIX passou
a cultivar uma visão existencialista e idiossincrática
desses traços da personalidade individual (Sennett, 1986;
Susman, 1984). Uma tal modificação do carácter
(social) em personalidade (individual) e a relação
social que estipula surge tratada em pormenor na obra de Christopher
Lasch (1979) e na ideia da fragilidade do self narcísico.
A personalidade narcísica, ao mesmo tempo que recusa a espessura
dos sentimentos e os envolvimentos sociais e históricos densos
dos sujeitos, é uma manifestação cultural extremada
da busca do imediatismo e da gratificação pessoal
(4).
A Parte II do livro, acerca dos percursos, ilustra esta
busca da gratificação imediata através de dois
textos, um sobre o turismo cultural em Évora e Coimbra, e
outro sobre a peregrinação a pé a Fátima.
Ao contrário do que pode suspeitar-se à primeira vista,
entre si, estes textos estabelecem uma cúmplice unidade.
O que os une é, desde logo, a narrativa acerca da deslocação
no espaço, no tempo e no próprio imaginário
dos seus protagonistas. Mas estão também unidos pela
natureza das intenções e dos objectivos subjacentes
a essa decisão de viajar. Num caso - o percurso urbano
dos turistas - é a descontextualização e a
ausência de compromissos que, ampliadas pelo cenário
que visualizam e experimentam, proporcionam a projecção
imaginada dos sujeitos para fora de si mesmos. Noutro caso - o percurso
dos caminhantes - essa projecção sustenta-se no sacrifício
físico e na recompensa que se pretende obter por seu intermédio.
Em ambas as situações, os percursos estão carregados
de simbologias, como de resto também as paragens que os recortam
e unificam. Mas são sempre paragens breves, porque o que
está em causa é a fuga, o fluxo e a busca da novidade.
Turismo e peregrinação partilham entre si experiências
ritualizadas distintas e semelhantes. O seu menor denominador comum
é a recontextualização e a integração,
mesmo que passageira, numa outra comunidade, mesmo que efémera.
São actos conscientes de decisão individualizada,
em busca de laços afectivos que se concretizam algures entre,
de um lado, um sentido de comunidade tradicional (de residência,
trabalho, obrigações e filiações directas)
e, de outro lado, um sentido de sociedade ampla, de interacções
rasgadas e fugazes e, por isso, despersonalizantes e descaracterizadoras
da identidade. Ambos os percursos reactualizam, assim, no
plano teórico, tanto a antropologia da liminaridade de Arnold
van Gennep (1960) e de Victor Turner (1969), como a sociologia marginalizada
das associações afectivas de Herman Schmalenbach (1977).
A busca de outras vinculações para que nos remetem
os actos turísticos e peregrínicos contêm, para
além do mais, algum sentido de transgressão dos ordenamentos
sociais convencionais e aflorações do sentido narcísico
da identidade e da personalidade modernas.
Como já se deixou implícito, a emergência desta
nova personalidade coincide com o desenvolvimento da indústria
da cultura e o seu correlato, a cultura do consumo e da informação
tecnológica. Em resultado disso, desde as décadas
finais do século XIX e as primeiras do século XX que
vimos assistindo à instauração de uma lógica
comportamental nova em que a aparência, a exibição
individual e a gestão das impressões e sentimentos
ganham relevo sem paralelo. Existem neste argumento ressonâncias
manifestas com os primeiros ensaios de Sociologia sobre o consumo,
nomeadamente com os trabalhos de Thorstein Veblen (1961) sobre os
consumos ostentatórios e de Gabriel de Tarde (1985) sobre
os mecanismos da imitação. Em ambos os casos, o que
está em causa é a compreensão dos traços
iniciais de uma cultura urbana de pendor individualista e expressivo
que se desenvolve sob o pano de fundo da massificação
da produção e do consumo, tanto materiais, como simbólicos.
Seja por via da competição distintiva, típica
das elites (Veblen), seja por via da imitação contagiante,
típica das classes médias (Tarde), esta clássica
sociologia do consumo assinala a emergência de modalidades
novas de relacionamento e interacção social, assentes
numa cultura hedonista e expressiva da personalidade (5).
No desenvolvimento desta problemática, estudos sociológicos
recentes fazem destacar a constituição de uma nova
relação que se vai configurando entre o self
e o corpo físico dos sujeitos. Neste domínio particular
da expressão pública e da representação
social do corpo, a literatura sociológica é tão
vasta como recente (6).
Assim, por exemplo, para Mike Featherstone (1991), a moderna cultura
do consumo é responsável pelo surgimento do que designa
por self performativo, ou seja, pela instrumentalização
do corpo físico que, deste modo, se constitui em recurso
da expressão pública dos indivíduos, caucionando
as suas relações de interacção. Mas
o que mais interessa sublinhar é a deslocação
e a ambiguidade dos termos da discussão do corpo na literatura
sociológica. Na verdade, parece possível distinguir
duas linhas de abordagem na análise do corpo. A primeira
trata o corpo como uma espécie de presença ausente,
ou, se se preferir a linguagem parsonsiana, como "categoria residual".
É uma visão que percorre toda a sociologia clássica,
desde Karl Marx (o corpo, como força de trabalho, assimilado
às forças produtivas), a Max Weber (o corpo racionalizado,
atributo definitório dos grupos de status), até Émile
Durkheim (o corpo como perturbador da apreensão dos factos
sociais) (Shilling, 1993).
Esta perspectiva, apesar dos diferentes estatutos epistemológicos
conferidos ao corpo, encontra prolongamentos vários numa
outra linha e interpretação sociológica do
corpo, nomeadamente, nas análises de Norbert Elias (1989)
e de Michel Foucault (1979). Aqui, a biologia humana surge epistemologicamente
subordinada à cultura. Em Elias, a civilização
do corpo (7)
é uma condição imanente à própria
modernização e sofisticação das atitudes
e comportamentos sociais. Em Foucault, os sistemas de disciplinação
do corpo e a sexualidade revelam a natureza dos poderes que se constituem
na sociedade e manifestam-se em paralelo às suas respectivas
expressões discursivas. O corpo e a consciência que
temos dele são, portanto, produtos das ideias e dos poderes
constituídos em esferas político-institucionais como
a família, a escola, o hospital, ou a fábrica, que
não deixam, por isso, de ter uma expressão simbólica
e societal mais geral e historicamente variável. Esta evolução
histórica da expressão simbólica do corpo implica
que, na moderna sociedade de consumo, a sua representação
seja cada vez menos conseguida através do recurso a meios
repressivos e resulte cada vez mais de factores psico-culturais,
como a estimulação e a estilização da
individualidade.
O eclipse do corpo enquanto fenómeno material e biológico
permite sustentar que a performance corporal é uma
dimensão da vida cultural que se exprime no espaço
público de aberta interacção, de que a cidade
e a metrópole moderna são os melhores exemplos (8).
Com o surgimento da personalidade expressiva, o corpo surge totalmente
subsumido pela (cultura urbana da) aparência e encenação.
Seria erróneo, no entanto, julgar que o processo de controle
da corporeidade de cariz medievalista e renascentista termina onde
e quando se inicia o processo de externalização da
sua expressividade. Apesar do grau de maior intimidade e, sobretudo,
do facto de ocorrerem em contextos de marcada ausência de
liberdade individual, tanto as técnicas de disciplinação
do corpo, como a inibição das suas funções
físicas e as modelações dos sentimentos e paixões
tendem a prolongar-se e a diversificar-se no mundo moderno, de maior
liberdade individual e mais ampla tolerância face a comportamentos
e atitudes. A penalização a que o corpo físico
é sujeito durante a peregrinação a Fátima
(capítulo 4) é uma boa ilustração da
recorrente refeudalização do corpo, da sua
expressividade e instrumentalização. Este é
um argumento que se detecta por entre a análise que Pasi
Falk oferece acerca da "corporeidade", entendida a um tempo como
dimensão expressiva e experiencial do corpo (Falk, 1994:
62-66). O lado expressivo da corporeidade diz respeito à
externalização das funções físicas
do corpo humano (como o riso ou a estimulação sexual
ou o grito de dor). A sua externalização corresponde
a uma ampliação do self que, assim, rompe as
fronteiras da intimidade corporal para revelar estados de prazer,
de sensualidade, ou de sofrimento. Por seu turno, a dimensão
experiencial da corporeidade (por exemplo, comer, beber, numa palavra,
consumir) mobiliza diversas capacidades cognitivas e sensoriais
dos sujeitos. Esta internalização da experiência,
enquanto propagação do mundo exterior ao mundo interior
dos sujeitos, é também sintoma de deslocação
das fronteiras entre natureza e cultura. Num e noutro caso, portanto,
a relação do corpo com a cultura é bi-unívoca
e pode invocar tanto actos irónicos ou transgressivos, como
actos de reconhecimento e aceitação pública
generalizada.
É neste quadro que se integram as paisagens que constituem
a Parte III deste livro. Não se trata, ou não se trata
apenas, de paisagens no sentido físico-geográfico,
mas antes de paisagens num sentido mais amplo de ambientes vividos
e de atmoferas sensíveis. São paisagens olfactivas
e paisagens sonoras que, ao mesmo tempo que libertam e reduzem constrangimentos
culturais sobre homens e mulheres, os vitimizam e sujeitam a códigos
renovados de estar e de se relacionar em público. O ambiente
que se pressente nestas paisagens é citadino, enquanto o
agente que as produz é tecnológico.
Ambas as paisagens em discussão contêm percursos no
desenrolar da sua constituição. Percursos históricos
que vão, num caso, da sociedade do miasma à sociedade
trompe-nez e, noutro, das sonoridades tradicionais aos ambientes
sonoros típicos da era industrial. Para trás foram
ficando modos de identificação dos sujeitos com os
odores do seu corpo e do corpo dos outros, como foram também
desaparecendo as cadências sonoras por que se pautava a vida
colectiva e se vinculavam os sujeitos a ritmos partilhados de trabalho
e reunião. São paisagens que, como vimos, mobilizam
capacidades cognitivas e sensoriais diversas. Mas, se o corpo deixou
de ser natureza apenas e se tornou cultura, essas capacidades estão
em fase de reeducação. Com elas estamos a reaprender
novas formas de ordenamento social, novas modalidades de interacção
social e ambiental, novas modalidades de individualização.
A cultura urbana moderna, feita também de novos sons e de
novos perfumes, quando vista à luz dos nossos sentidos é
a mesma que fez definhar o corpo físico para, em seu lugar,
ampliar a corporeidade. Fez diminuir o odor, para ampliar os perfumes.
Fez desaparecer a individualidade dos sujeitos e dos espaços
para formar a paisagem envolvente e descartável da personalidade.
O mesmo se passa com o moderno ambiente sonoro da cidade. Matou
o silêncio para socializar a bruma sonora e reduziu ao máximo
o som da terra para, em seu lugar, ampliar o da tecnologia.
Tudo isto corre a par da possibilidade cultural da privatização
destas paisagens. Com efeito, o perfume está para os odores
sociais, como o walkman está para as sonoridades.
Nómadas e miniaturizados, podem transportar-se e transportar-nos
com eles, permitindo dissimular aquilo que somos, alimentando a
esperança de sermos aquilo que imaginamos. Em síntese,
estas modernas paisagens olfactivas e sonoras permitem prolongar
esse acto criador de destruição da identidade.
Sempre através da definição de distâncias
e de fronteiras, mesmo se voláteis e indizíveis, entre
um eu egoísta e auto-contemplativo e um outro
que se marginaliza ou despreza. Sempre através de fragilíssimas
distinções entre o espaço público e
o espaço privado. Sempre através de expresões
públicas da vida sensível.
Como se percebe, é sinuoso o traçado que esta colecção
de ensaios convida a percorrer. É um traçado feito
de imagens, de viagens e paragens singulares. Cada uma destas, à
sua maneira, é um fragmento fortuito de uma realidade social
e cultural mais ampla. Se o texto é um campo aberto perante
o qual o leitor se comporta como um caçador, como diria Walter
Benjamin, a decifração do sentido desta realidade
mais ampla é uma possibilidade deixada à interpretação
dos próprios leitores. Afinal, a leitura é, ela própria,
um percurso que tem que ser percorrido para dele se tirar sentido.
Santiago do Cacém, Abril de 1999.
NOTAS
(1)
Os capítulos 1, 3, 4 e 6 foram inicialmente publicados na
Revista Crítica de Ciências Sociais, do Centro
de Estudos Sociais, respectivamente nos anos de 1991, 1995, 1992
e 1998. O capítulo 2 foi editado, em 1995, na Colecção
Estudos e Investigações, do Instituto de Ciências
Sociais (vol. 4, coordenado por Maria de Lourdes Lima dos Santos)
e o capítulo 5 surgiu, originalmente, na revista Via Latina
(1991), editada pela Associação Académica de
Coimbra. Aos responsáveis por estas publicações,
agradeço a colaboração que permite esta reedição.
(2)
Para uma análise sociológica das culturas de fronteiras,
vejam-se os textos de Boaventura S. Santos (1994: cap. 6) e de João
Arriscado Nunes (1996).
(3)
A noção de "imaginação do centro" é
retirada de Boaventura S. Santos (1993: 49-53) que a utiliza para
se referir ao processo simbólico de projecção
do Estado semiperiférico (no caso vertente, o Estado português)
na comunidade de Estados centrais (europeus). O uso que aqui se
faz desta noção pretende assinalar que esse processo
simbólico de "centramento" está também presente
em múltiplas formas de actuação de indivíduos
e grupos sociais. A referência a "centros" reais ou imaginários
da vida social, política e cultural faz parte da estratégia
de auto-posicionamento dos sujeitos, mesmo quando se manifesta pela
sua negação e recusa.
(4)
Caracterizações dos indivíduos como as seguintes
assinalam, para Lasch, o surgimento desta nova personalidade: "excessivamente
auto-consciente"; "cronicamente preocupado com a saúde, com
medo de envelhecer e de morrer"; "constantemente à procura
de sintomas e sinais de decadência"; "desejoso de se dar com
outros, mas incapaz de fazer verdadeiras amizades"; "ansioso por
experiências emocionais"; "dominado por fantasias de omnipotência
e de eterna juventude".
(5)
É no quadro desta personalidade expressiva que se integram
também análises como as de Pierre Bourdieu (1984)
sobre o gosto, a construção dos estilos de vida e
as estratégias de distinção social, ou de René
Girard (1987) acerca do mimetismo como expressão do desejo
e da competição entre sujeitos.
(6)
Uma interpretação geral sobre o recente interesse
da Sociologia pela questão do corpo encontra-se em Chris
Shilling (1993: 29-40). A justificação daquele interesse
ficará a dever-se, em primeiro lugar, aos estudos feministas
e à análise sociológica das relações
sociais de sexo, em segundo lugar, ao acentuado envelhecimento demográfico
do Ocidente e, em terceiro lugar, às alterações
económicas, sociais e culturais da sociedade do pós-guerra.
(7)
O Processo Civilizacional de Norbert Elias é um discurso
sobre a perda do significado sociocultural da biologia imposta pela
ascensão histórica dos símbolos e marcas culturais.
O corpo humano civilizado é o resultado de um processo articulado
de socialização (o corpo como expressão
social conseguida pela gradual regulação e privatização
das suas funções naturais), de racionalização
(controle crescente sobre emoções e sentimentos) e
de individualização (o corpo como fronteira
entre indivíduos e entre estes e o mundo exterior). Para
uma reflexão sobre o corpo na teoria civilizacional
de Norbert Elias, veja-se Chris Shilling (1993: 151-174).
(8)
É nesse sentido apenas que se compreendem e frutificam as
reflexões teóricas mais gerais de autores como Georg
Simmel (1997), Richard Sennett (1986), Jean Baudrillard (1990) ou
Erving Goffman (1993), em que a corporeidade surge de forma derivada
a partir das relações de sociabilidade em espaço
público, ou as análises socioantropológicas
do corpo em que é a urbanidade que surge como variável
dependente, como, por exemplo, nos trabalhos de David le Breton
(1990), Pasi Falk (1994), Steve Pile (1996), Chris Shilling (1993)
e Bryan Turner (1984). |