Somente a partir de 1971, com a publicação do Decreto-lei 413/71, foi reconhecido o direito à saúde a todos os cidadãos, assumindo o Estado um papel ativo na formulação de políticas de saúde. Com a Revolução de Abril iniciou-se um processo de reorganização dos serviços de saúde que culminou, através da Lei 56/1979, com a instituição do Serviço Nacional de Saúde (SNS), consagrado no art.º 64 da Constituição. O SNS reconhecia a gratuidade, gestão descentralizada e participada e o caráter supletivo do setor privado, baseando-se nos princípios de filosofia social de William Beveridge e Thomas H. Marshall, inspiradores dos sistemas de saúde públicos da Europa do Norte.
Além de concretizar o preceito constitucional, o SNS respondeu, na visão de António Arnaut, um dos arquitetos do SNS, a um imperativo ético, visto que Portugal apresentava os piores indicadores de saúde da Europa. Porém, o SNS teve que enfrentar diversos problemas: subfinanciamento, concentração de recursos no setor hospitalar, escassa coordenação entre cuidados primários e secundários, desigualdade de acesso ao serviço público, além das resistências e reiterados ataques dos adversários do sistema de saúde público, reivindicadores da “empresarialização” como estratégia de privatização do SNS.
Após 33 anos, o SNS tornou-se um património coletivo da sociedade portuguesa, contribuindo para a melhoria dos indicadores de saúde (redução da mortalidade infantil, aumento da esperança de vida, etc.) e colocando Portugal nas primeiras posições do ranking internacional. Sobretudo a partir do final da década de 1990, o processo de reforma contribuiu para alcançar esses objetivos através dos progressos tecnológicos, do fortalecimento dos cuidados de saúde primários e da introdução dos cuidados continuados integrados. Entretanto, em contexto de crise, subsistem áreas críticas e prioridades a serem enfrentadas: a) desigualdades geográficas e sociais no acesso aos cuidados de saúde; b) copresença, ao lado do SNS, de outros subsistemas assistenciais públicos e privados que podem acentuar as desigualdades em saúde; c) escassos mecanismos de participação dos cidadãos.
Mauro Serapioni