O conceito de multiculturalismo nasceu nos anos setenta do século passado em países fortemente marcados pela presença de comunidades imigrantes, como o Canadá ou a Austrália. Diferentemente da ideologia assimilacionista do “melting pot” norte-americano, assente no postulado da integração e fusão numa nova identidade pós-migratória (cujos limites, aliás, eram desde logo evidentes pela exclusão da população negra ou indígena), a noção de multiculturalismo aponta para políticas adotadas por Estados que se reconhecem como multiétnicos e estabelecem o respeito pela identidade cultural das diferentes minorias como princípio de governação.
Na medida em que reconhece a diversidade cultural como um valor positivo que deve ser defendido, o conceito é de manifesto sinal progressista. No entanto, tem vindo progressivamente a ser posto em causa a partir da perceção de que, mais do que baseado numa lógica de reconhecimento, o multiculturalismo assenta num princípio de tolerância que não põe verdadeiramente em causa as relações de poder nem pressupõe dinâmicas de inter-relacionamento. Deste ponto de vista, o multiculturalismo alimenta uma conceção estática de identidade e, em consequência, uma perceção da diversidade cultural em que, como nas peças de um puzzle, a diferença apenas se justapõe e as fronteiras surgem, não como espaço de encontro e hibridação, mas como linha de demarcação entre realidades que não chegam a interpenetrar-se. Assim, a crítica ao multiculturalismo tem-se feito em nome de um conceito de interculturalidade, no âmbito do qual se torna possível pensar as lógicas de tradução e as dinâmicas inter-relacionais que desestabilizam a rigidez da construção multicultural da diferença.
Por outro lado, declarações como as proferidas não há muito por Angela Merkel sobre o “fracasso do multiculturalismo” na Alemanha mostram como o conceito, apesar das suas ambiguidades, mantém um potencial crítico de visões hegemónicas das políticas de identidade.
António Sousa Ribeiro