Encontro de prazer com a vida. Ou seja, encontro complexo com o mesmo, que significa, de forma inevitável, o encontro com o absolutamente outro. Nestes ecos marcuseanos, os ecos platónicos: no movimento do desejo pelo encontro, a expansão de si acontece, na assunção de um risco para o sujeito que de si se esquece nesse ato de descentramento e de reconhecimento da sua própria incompletude. A festa – esse encontro vital – resulta, assim, já da experiência individual de crise. Quando essa experiência – que é uma ordem fora da ordem dominante (a primeira lei do humano é a desobediência, proclamava Milton no início da nossa modernidade, de forma só aparentemente paradoxal) – acontece no espaço do coletivo e na praça pública, temos a poesia na rua (às vezes, a revolução), isto é, o encontro de prazer com a infinita abertura à possibilidade, que se traduz na reinvenção criativa da comunidade. Essa crise só pode, assim, entender-se como a prática de uma cidadania ativa que levará, forçosamente, à festa e/ou à expansão do humano.
A festa é pois o resultado de uma crise criativa e/ou vital, e torna-se absolutamente necessário que a exercitemos – contra aqueles/as que des-conhecem, ou que esqueceram, a dimensão libertária, porque humana, de crise: que é, sempre, uma dimensão complexa, múltipla e plurivocal. Hoje, são eles/as os/as detentores/as de uma só verdade sobre a crise mundial e têm nas mãos toda a parafernália das luzes da (má) política e dos (maus) média para nos convencerem de que não temos alternativas à visão limitada da “sua” crise – crise financeira e económica de um sistema que cada vez mais evidencia sinais da morte que os/as domina.
Quais feiticeiros de Oz, esses homenzinhos, atrás da grande máquina do espetáculo de luzes, parecem desconhecer qualquer encontro de prazer com a vida, insistindo em criar limites à nossa (sua) própria humanidade. Porém, essa humana ausência de limites, celebrada ao longo de toda a Idade Média – da dança macabra ao Carnaval –, ecoa ainda na permanência deste último (surgem medidas para o eliminar) e nos bakthinianos processos de carnavalização que alguma arte contemporânea trabalha. E que dizer desses ecos na festa como forma recente de participação em processos de combate social? Movemo-nos e o encontro (com o outro e/ou a alternativa) é lei.
Graça Capinha