A “classe média” é uma noção algo imprecisa, mas que se impôs nas sociedades ocidentais, sobretudo à medida que um vasto conjunto de mudanças (do edifício legislativo à inovação técnica e a todo um conjunto de políticas sociais) desencadeadas na Europa do pós-guerra conduziram nos países mais avançados do Ocidente ao crescimento de novos estratos da força de trabalho assalariado, mais qualificados e com melhores condições do que os trabalhadores fabris, os “white collars” (colarinhos brancos), que afluíram aos serviços e preencheram as necessidades de uma burocracia crescente, quer no setor público, quer no privado. Em particular durante os “anos de ouro” do Estado-Providência, a classe média alimentou-se da ilusão de uma “sociedade da abundância”, apoiada na estabilidade e na coesão social, no diálogo e no compromisso entre as classes, no crescimento ilimitado e no consumo de massa.
Sendo um conceito cujo valor heurístico era questionável, foi, na sua diversidade interna, um protagonista central da recomposição social do século XX. Despida da roupagem ideológica de que se revestiu (especialmente por parte das teorias funcionalistas americanas), a classe média e estudos com ela relacionados não deixaram de evidenciar a sua relação com a conflitualidade e os movimentos sociais, por exemplo. Temas como o “radicalismo de classe média”, o sindicalismo do setor dos serviços ou a reprodução social e trajetórias de classe ilustraram facetas da classe média assalariada – e dos próprios processos de ação coletiva promovidos pelos novos movimentos sociais – reveladoras de todo um potencial transformador que as análises clássicas (correntes do marxismo em especial) não lhe reconheceram.
A classe média portuguesa cresceu à sombra do Estado social. E, tal como ele, encontra-se, hoje, à beira da ruína. O resultado pode ser a “implosão” ou a “explosão”, levando alguns dos seus novos segmentos (em particular os mais jovens, saídos das universidades) a engrossar a contestação e os novos movimentos de “indignados”.
Elísio Estanque