O trabalho é um elemento central da sociedade e uma dimensão intrínseca da economia. Várias componentes dessa centralidade emergem do sistema de referências de sociabilidade que lhe é intrínseco na sua relação com o global social e a natureza.
Ao longo da Idade Média, trabalhar era visto como algo desvalorizado, desprestigiante e estigmatizante. O ócio era apanágio das elites e o trabalho, relegado para escravos, servos ou indigentes, não concedia estatuto de dignidade. Com o avanço da sociedade foi reconhecido ao trabalho um novo sentido ético, positivo, libertador. Porém, desde os primórdios do capitalismo, o trabalho passou frequentemente a estar associado também a contextos de grande exploração e a ser sinónimo de opressão e alienação.
Em resultado de inúmeras lutas laborais e sindicais, desenvolvidas desde a primeira metade do século XIX, foi conquistada a valorização da retribuição do trabalho e das profissões, a dignidade e a segurança para as condições da sua prestação e organização, bem como a igualdade no acesso ao trabalho e a proteção do trabalhador, mesmo quando desempregado. O tempo de trabalho foi também progressivamente reduzido e os horários fixados com a participação dos trabalhadores de modo a conciliar o trabalho com a vida familiar e social, o que até favoreceu dimensões do trabalho voluntário. A valorização do tempo de trabalho propiciou valor ao tempo do não trabalho, daí resultando importantes atividades económicas e de desenvolvimento humano.
No século XX, foi criada a OIT (1919), que produziu importantes normas e recomendações, instituiu-se o Direito do Trabalho, conquistou-se a contratação coletiva, que melhorou imenso a distribuição da riqueza, afirmou-se o Estado-Providência. O direito universal ao trabalho foi plasmado em leis fundamentais, como é o caso da Constituição da República Por-tuguesa. Daqui resultou o reconhecimento de que «o trabalho não é uma mercadoria» (Declaração de Filadélfia, 1944); o trabalho forçado é ilegal; o emprego é trabalho digno, trabalho com direitos! No trabalho se exprimem e (re)estruturam indissociáveis dimensões sociais, económicas, culturais e políticas que têm de estar presentes nas relações de trabalho. As atuais políticas de “austeritarismo” e a proliferação de precariedades retiram dignidade e valor ao trabalho, tolhem a democracia e o desenvolvimento.
Manuel Carvalho da Silva