Soberania, no sentido clássico do conceito, significa o exercício pleno de autoridade dentro de fronteiras e a inexistência de uma autoridade superior no plano externo, afirmando uma distinção clara entre ordem interna e ordem internacional. O debate em torno do conceito tem revelado a tensão entre uma leitura moderna, que permanece focalizada no poder do Estado e num entendimento marcadamente territorial do conceito, e uma leitura pós-moderna, de cariz normativo, que, face a dinâmicas transnacionais e à existência de novos atores com autoridade reconhecida – incluindo organizações não-governamentais, organizações internacionais, ou empresas multinacionais –, desafiam as leituras tradicionais do conceito.
A globalização enquanto fenómeno que implica dinâmicas a diferentes níveis que ultrapassam a capacidade e os limites territoriais do Estado, e a evolução que se verificou ao nível de princípios internacionais, como a intervenção humanitária e a responsabilidade de proteger, ilustram o dinamismo inerente ao sistema internacional que inviabiliza um entendimento estático de soberania. A crise financeira e a sua dimensão transnacional, a par da interdependência económica e política que lhe estão associadas, vêm acrescer à necessidade de reconceptualizar a soberania para além do quadro estatal.
No atual contexto europeu, as incoerências associadas a um entendimento estatocêntrico de soberania têm sido reveladas num quadro onde valores de solidariedade e interdependência têm dado lugar ao que já foi apelidado de “hipocrisia organizada”, como está evidenciado no caso da Grécia. Uma soberania que poderá tornar-se cada vez menos democrática nas periferias dos sistemas de decisão. Assim, está na ordem do dia repensar a soberania para além da territorialidade, do poder exclusivo e da indivisibilidade da autoridade, em novos quadros referenciais que tenham presente e analisem a multidimensionalidade do sistema internacional. Uma soberania que enfrenta uma crescente dispersão de poder associada à ascensão de novos atores e de novas formas de intervenção internacional.
Maria Raquel Freire