Conceito de grande complexidade e ampla polissemia, não só pela sua natureza heterogénea como pela grande carga emocional (de fascínio ou rejeição) que suscita, sobejamente demonstrada pela avassaladora produção historiográfica em torno sobretudo das duas grandes experiências revolucionárias, espécie de código genético de todas as outras que se lhes seguiram: a Revolução Francesa de 1789 e a Revolução Russa de 1917. Vindo da astronomia e com um significado oposto ao que hoje se lhe atribui, passa, justamente no século XVIII, de um conceito fisiopolítico (o estudo das formas de governo dos homens que se sucediam com uma regularidade semelhante às próprias leis da natureza), a um outro meta-histórico, um princípio regulador do conhecimento e da praxis humana. Liberta da sua origem natural, a revolução altera a perceção do tempo, que pode agora ser acelerado e precipitar novas formas de organização política e social.
Toda a revolução pulveriza pois as categorias de uma temporalidade histórica rígida e instaura uma temporalidade mítica e simbólica, reversível e transtemporal, ou seja de um presente como momento ideal de sobreposição de um passado distante com um futuro próximo concebido como uma Idade de Ouro. Uma dinâmica que está longe de ser linear ou previsível, pois que, se por um lado «produz em poucos dias sucessos mais importantes que toda a história anterior da humanidade» (Robespierre) e cuja heroicidade e grandeza só pode ser comparável ao «assalto dos céus» (Marx), por outro faz surgir no seu interior ondas de refluxo que nenhum dos atores pode controlar e que os afasta dos seus propósitos iniciais.
As comprovadas máximas de que a revolução devora sempre os seus filhos e de que é sempre um processo inacabado são, afinal, a dolorosa proclamação do desajustamento entre o sonho e o peso da realidade. Contudo, nos intensos períodos que designamos como revolucionários, algo de radicalmente novo aconteceu, cuja natureza não pode ser avaliada apenas pelo resultado final. A revolução, mesmo derrotada ou desvirtuada, conserva uma misteriosa invencibilidade, porque permanece na memória dos povos como narrativa exaltante e inspiradora, fonte regeneradora das mais fundas expectativas de felicidade coletiva num mundo hostil e sem esperança.
Manuela Cruzeiro