Fazer da/na palavra. Neste sentido etimológico, reconhecido por Aristóteles, percebe-se como o sentido de poesia se funde com o sentido de linguagem e como ela se inicia com o primeiro grito do/a recém-nascido/a. Esse grito, essa primeira extensão do corpo, que é a matéria do som e/ou da vida a fazer-se em respiração, é a primeira coisa “forjada”, diz o poeta Charles Bernstein, revelando a duplicidade da “coisa feita”: a Poesia/linguagem é, simultaneamente, natural/verdadeira e artificial/falsa. Ciente desse conflito, Aristóteles oferece como Poética uma Dramática. O sentido etimológico de poesia inclui assim, inevitavelmente, um sentido político radical: esse “forjar” é, antes de qualquer outra coisa, ato – ato de presença na vida e ato de construção daquilo a que chamamos “real” (uma construção, social e histórica, na linguagem). Em qualquer caso, trata-se sempre de um processo dinâmico e aberto à possibilidade, sempre raiz da transgressão dos modelos de representação dominantes, sempre lugar da alternativa – sempre um devir.
Sabendo que a poesia poria em perigo a ordem dominante na República, Platão dela expulsou os poetas. E, contudo, afirmou também esse discurso fora da ordem como um dos raros a conseguir aceder à verdade.
Se, sem palavras, somos cegos, como dizia Rimbaud, então o nosso olhar só poderá ver um mundo novo quando formos capazes de o dizer/ fazer outramente. Toda a linguagem que se pretende emancipatória assenta assim no poético: oferecendo outros modelos de representação, ela (re)faz o mundo e devolve-nos à origem de toda a poesia (que o mesmo será dizer, à sua natural função política e social). A poesia não serve para fazer o belo (conceção que nos chega de um recente séc. XVIII), mas para ativar o potencial criativo de cada um/a de nós. Perante a atual crise mundial, a ativação desse potencial é uma questão de sobrevivência. Por isso, hoje em dia, como Bernstein diz, é preciso que a poesia seja tão interessante quanto a televisão – e bastante mais surpreendente.
Graça Capinha