Na sua aceção mais comum, a pobreza identifica-se com uma situação de privação das necessidades humanas básicas decorrente da falta de recursos para satisfazer as necessidades de alimentação, participar nas atividades da vida social e fruir das condições de vida e conforto comuns, ou pelo menos largamente partilhadas e valorizadas, na sociedade a que se pertence. Os recursos em falta não se identificam apenas com o rendimento monetário à disposição de cada um, antes envolvem as próprias capacidades para levar uma vida decente, segundo os padrões correntes na sociedade. Porém, essas capacidades, mais do que o resultado de um esforço de vontade ou do mérito pessoal, dependem das oportunidades de vida que uma sociedade desigual oferece a cada um dos seus membros.
Esta visão baseada nas dimensões sociais da pobreza está a conduzir a uma mudança paradigmática na própria conceptualização de pobreza. O velho paradigma da pobreza como um infortúnio de alguns, a quem a sociedade, por razões de solidariedade, deve prestar auxílio, está a dar lugar a um novo paradigma da pobreza assente na privação de direitos sociais e na violação de direitos humanos fundamentais, que responsabiliza os governos e as sociedades. Por um lado, ela traz para primeiro plano o valor da dignidade de toda a pessoa humana, fundamento dos direitos humanos universalmente reconhecidos, e afirma que a pobreza involuntária ofende esta dignidade e põe em causa o valor da vida humana. Por outro lado, a consensualização ampla de que a pobreza é uma consequência da violação dos direitos humanos tem um efeito responsabilizador dos governos e compromete-os na definição de estratégias de eliminação da pobreza.
As implicações destas políticas são importantes, sobretudo em períodos de crise, em que os indicadores de pobreza se agigantam. Não basta combater a pobreza com medidas emergenciais de caráter compensatório depois de eliminados direitos sociais e humanos. É preciso reforçar as capacidades de cada um para que possa viver autonomamente e alcançar uma vida digna e, ao mesmo tempo, assegurar os suportes institucionais para que se possam fazer valer os direitos humanos e sancionar a respetiva violação.
Pedro Hespanha